domingo, 29 de junho de 2008

os eleitos



O amor não é privilégio
Estendido a todos
É castigo submetido a poucos

sexta-feira, 27 de junho de 2008

quinta-feira, 26 de junho de 2008

alfabeto

É mais ou menos assim:
Eles me pagam y, isso não dá para nada, e ainda assim eu trabalho z ao quadrado, correto?

Pois bem, então você entendeu que eu preciso de x para trabalhar menos w?;
sigamos.
Munido dessa equação, eu vou atrás do senhor x;
só que o senhor x quer me dar b para que trabalhe
s ao cubo sempre acompanhando o doutor k.

Não dá, com o perdão da rima pobre, entende?
Eu tento explicar que preciso de x, mas não posso acompanhar o doutor k ao cubo, sacou?;
é difícil dele entender porque ele só entende a língua do doutor k;
e eu tento de novo, simples:
preciso de x para trabalhar menos w e fazer n coisas que eu considero fundamentais para o bom desenvolvimento da vida humana na Terra.

Penso em explicar de novo, e me lembro dela, querendo pagar w mais y para eu simplesmente continuar respirando e fazendo coisas para o bom desenvolvimento da vida humana Terra.
Então, desisto, porque já está tudo pago, percebe?

Me despeço do senhor x com um forte abraço;
chego em casa e ligo a televisão;
duas moças falam de "A Serpente";
Sean Pean beija Jennifer Lopez na beira do desfiladeiro;
eu fico aflito e penso que preciso de x para trabalhar menos w e fazer n coisas que possam evitar que no mundo sejam produzidos novos filmes em que o mocinho sempre beija a mocinha na beira do desfiladeiro.

Está frio;
eu tomo gim.
eu ouço notas e somo letras;
não vai dar;
decido dormir.

No caminho do quarto, encontro o Nelson Rodrigues:
_Rapaz, todos os beijos do mundo são dados à beira de um precipício!
Eu não sei nada vezes nada, Nelson.

infância

nas costas do meu pai
cabia o mundo

nas costas do meu pai
pesava o mundo

nas costas do meu pai
o mundo não tinha fim

nas costas do meu pai
menino montado no mundo

nas costas do meu pai

com a certeza de que o mundo
nunca caberia em mim

quarta-feira, 25 de junho de 2008

I love you, porgy



difícil escolha, hein?

terça-feira, 24 de junho de 2008

obra-prima

desistiu da análise
para se conhecer
foi estudar artes plásticas

segunda-feira, 23 de junho de 2008

domingo, 22 de junho de 2008

capturou?

A minha alma escalou um prédio da Paulista
_A verdade é esta, não nos criemos mais ilusões
_Fugiu, mas foi apanhada pela antena da Globo
Que a transmitiu pelo infinito em HDTV

(adaptação de um poeminha de Mário de Sá-Carneiro, feito como ps de uma carta a Fernando Pessoa, escrita em Paris, agosto de 1915; no original, a Torre Eiffel e as ondas hertzianas)

o original

Andar e pensar um pouco,
que só sei pensar andando.
Três passos, e minhas pernas
já estão pensando.
Aonde vão dar estes passos?

Acima, abaixo?
Além? Ou acaso
se desfazem ao mínimo vento
sem deixar nenhum traço?

paulo leminski

sábado, 21 de junho de 2008

primeira chuva

Andou pelas ruas com
uma única frase na cabeça:

O outono se esvai,
o inverno impõem-se.

Achava-a bonita, dramática,
o melhor que já havia criado.

Na verdade, a coisa única,
de uma vida dedicada à poesia.

Mas tinha certeza de que o resto,
tudo, assim, súbito, viria.

Bastaria andar e pensar,
como um outro, de bigode, dizia.

O suor na testa ao atingir
o bico róseo de um morro.

Os becos úmidos e apertados,
o rebolo dos pelos das árvores.

No leito de uma rua,
o ventre de uma praça.

Ele corria a cidade-mulher
com a bengala de um cego.

Mas é claro:
o inverno que se impunha,
chegou de fato.

Uma chuva de granizo,
já as costas lhe doía.

Fraco, cansado,
sem sombra da mulher-guia,
apanhou uma tremenda pneumonia.

Morreu dias depois,
feliz pela certeza de que,
enfim,
era um poeta do Spleen.

Um ultra-romântico,
desses,
que não precisa escrever versos.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

quinta-feira, 19 de junho de 2008

águas revoltas

_Como se constrói um conto, já que ele é uma forma que pode prescindir dos elementos básicos da narrativa?
_Com palavras. Não se faz uma casa sem tijolos.
_Mas quem desenha a planta? Talvez os sonhos... Eu gostaria de contar outro, posso?
_É claro.
_É um dia de sol em uma praia tropical, dessas bem Brasil mesmo. Tudo é lindo, mas há o risco, o perigo. Ela corre entre as pedras, sabe? Pula de uma até a outra, se escora, está feliz, sem se importar com a força do mar, o mar é indomável.
_Você tem sonhado muito com o mar, não?
_Sim. Então, ela corre, como disse, seguida por um jovem, que não sou eu, logicamente, porque não sou jovem, e tenho medo e fico parado observando de longe. Na verdade, eu meio que sou a consciência do perigo, do risco, entende? Eles não têm a menor a noção do que estão fazendo, do que pode acontecer, e acontece, claro. Súbito, o pé dela escapa. Ela cai em um mar revolto, nervoso mesmo. Imediatamente, eu esqueço o medo e salto para resgatá-la, enquanto o jovem, que não sou eu, ou sou?, fica parado, perdido. Eu mergulho, imploro a ajuda dele, que não faz nada, e eu consigo encontrá-la, lânguida, meio desfalecida, mas feliz. Tomo-a nos braços, alcanço a superfície, e digo para ele, o jovem que não sou eu: “É como se segurasse minha própria vida nos braços”. O que isso quer dizer? Que o mar é o desejo?
_Vamos deixar por aqui hoje. Os sonhos também guardam uma história submersa.

um poema de jim dodge

Traduzido e enviado até mim pelo Joca no ano da graça de 2002.

"Seu sorriso é como assento de privada gelado.
Ele sacode minha mão como se a houvesse encontrado
morta depois de duas semanas num pântano.
Digo a ele que preciso de grana.
Às toneladas.

Eu quero um Lambourgini novo
lotado de absinto e ópio,
cair fora destas colinas encharcadas
uns anos em Paris.
Tento explicar:
estou em tal estágio de desenvolvimento artístico
que necessito de longo período
como marajá reflexivo.

O banqueiro saca minha carteira.
Examina meus dentes.
Reprime seus cacarejos
quando ofereço 20 sonetos miltonianos
como garantia do empréstimo.
Balança a cabeça (passei dos limites)
enquanto me despacha, apertando a mão.

´Péraí`, apelo, ´tenho dívidas e sonhos
não consigo sustar o derrame de meu saldo`.
´Sinto`, resmunga, ´não posso fazer nada`
e grampeia os papéis
de maneira semelhante à que
empalaria minha língua num formigueiro qualquer.
Olho pra ele, incrédulo.

E sob meu olhar fixo
o banqueiro começa a se transformar
numa porção de batatas fritas
empapadas de graxa;
depois num borrão
numa página do Gênesis;
e, afinal, em joaninha rola-bosta
empurrando bolinhas de merda
sobre a escrivaninha maior que meu quarto.
Enquanto acompanho essas mudanças mórbidas
não perco de vista sua cara balofa
brilhando qual carne podre.

Mas eis que suas outras facetas
vêm a mim:
pai, amante, garotão, garotinho -
nossos aparentados, apesar de distintos, corações
e mesma história humana
dando na mesma.
Apenas isto impediu
meu bom-senso de inconscientizá-lo
com uma meia cheia de moedas."

quarta-feira, 18 de junho de 2008

angústia criativa

muitas vezes,
dá samba
quase sempre,
dá choro

terça-feira, 17 de junho de 2008

segunda-feira, 16 de junho de 2008

fechamento

"Somos feitos da matéria dos sonhos;
nossa vida pequenina é cercada pelo sono"
A Tempestade, Ato IV , Cena I



Falta densidade à matéria;
a matéria das palavras, qual é?
Uma pergunta batida;
o pontinho piscando na tela do computador, e o relógio a materializar o tempo e a dar sentido para minha angústia.
A matéria tem que ter profundidade e a densidade das palavras do presidente "que afirmou ontem que nós possivelmente não consigamos terminar a nossa obra em quatro anos".
Eu, agoniado, preocupado com a matéria das palavras e com as palavras da matéria, e o meu coração doído pelas palavras na boca dela, me dizendo que eu nada tinha a temer, exceto as palavras, algo que ela tinha lido num livro do Fonseca, acho;
aí eu, sem coisa melhor pra falar, indagando de que matéria eram os sonhos, outra pergunta batida.
A matéria dos sonhos;
o pontinho piscando na página branca, eu sofrendo e lembrando daquela conversa com o Marçal Aquino, de que ele escreve à mão.
As palavras jorrando da mão do Marçal, que foi jornalista e que começa uma história sem saber como ela vai acabar e que escreve como quem fala com as mãos.
O John Fante que eu li na faculdade e me fez achar que era muito fácil ser escritor porque era só sofrer porque não se conseguia ser escritor e dizer para os leitores como era sofrer porque não se conseguia ser escritor, pronto;
e o cara ainda por cima morava em Los Angeles.
A crítica;
uma resenha sobre arte, quem sabe, em vez de falar do presidente;
"tudo isso serve menos para impregnar o ambiente de realismo e glamour do que para dar materialidade às coisas, evitando a reconstrução fria de época e transformando a película num espaço de convergências sensoriais e poéticas."
As palavras sem densidade na boca do presidente, com seu terno preto e novo;
o relógio a materializar a pressa, o editor a me cobrar a matéria.
Eu;
me deitando no divã e pagando aquela puta grana por tão pouco tempo, com a matéria dos sonhos escorrendo das mãos, de maneira tão rápida "porque Lacan pensou uma outra maneira de repensar a temporalidade inerente ao sujeito".
É, subverteu a cronologia da temporalidade, nada mais lógico.
Os sonhos;
eu sonhando em derrubar o presidente com a matéria dos sonhos para ganhar aquele prêmio que tem nome de posto de gasolina;
"e eu estou aqui, neste dia sonhado por tantas gerações de lutadores que vieram antes de nós, para reafirmar os meus compromissos mais profundos e essenciais, para reiterar a todo cidadão e cidadã do meu país o significado de cada palavra dita na campanha, para imprimir à mudança um caráter de intensidade prática."
O presidente pediu paciência e disse que um filho leva nove meses para nascer;
o editor pediu densidade e me deu dez minutos para terminar a matéria, com contextualização e clareza.
Eu, egoísta, que sonhava derrubar o presidente com a matéria dos sonhos, o presidente que tinha a obrigação de realizar os sonhos de todo mundo deste país.
Os dez minutos passaram rápido, não só porque Lacan havia pensado uma outra maneira de repensar a temporalidade inerente ao sujeito, mas porque eu escrevi bem depressa quando alguém gritou que ia entrar um calhau no lugar da matéria naquele pedaço de papel, que ainda era só um diagrama em uma tela de computador e que ia se materializar em um pedaço de papel.
Meu nome lá;
piscando no computador em cima da matéria que ainda não era papel sobre a densidade das palavras e de todos os meus sonhos.
O nome igual ao do meu pai;
que dia desses apareceu na matéria do meu sonho, assim como ela.
Meu nome lá, para embrulhar peixe no dia seguinte.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

quarta-feira, 11 de junho de 2008

clipes




Olhos de menino
Ornette nos ouvidos
cidade em desatino

segunda-feira, 9 de junho de 2008

quarta-feira, 4 de junho de 2008

atalhos

Information is not knowledge
Knowledge is not wisdom
Wisdom is not truth
Truth is not beauty
Beauty is not love
Love is not music
Music is the best

Zappa

terça-feira, 3 de junho de 2008

poema pouco original do medo

O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no teto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
ótimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projetos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos


Alexandre O'Neill

domingo, 1 de junho de 2008

unhappy plots

analgésicos

Álcool

Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longemente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.

Batem asas de auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de cor e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Descem-me a alma, sangram-me os sentidos.

Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo ---
Luto, estrebucho... Em vão! Silvo pra além...

Corro em volta de mim sem me encontrar...
Tudo oscila e se abate como espuma...
Um disco de oiro surge a voltear...
Fecho os meus olhos com pavor da bruma...

Que droga foi a que me inoculei?
Ópio de inferno em vez de paraíso?...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eternizo?

Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que ando delirante ---
Manhã tão forte que me anoiteceu.

Mário de Sá-Carneiro