quarta-feira, 30 de julho de 2008

à deriva

Em mar revolto
Barco sem porto
Agitando bandeira

Carmesim

terça-feira, 29 de julho de 2008

merça

Caros,

Marquinhos manda convidá-los pro churrasco de hoje (terça, 29 de julho). A idéia é comemorar os 40 anos do bar enchendo a cara e a pança. De quebra, vai rolar a reimpressão ao vivo e em muitas cores da Antologia Bêbada feita pelo pessoal da Dulcinéia Catadora. Cada conto receberá uma ediçãozinha individual, nenhuma capa é igual a outra etc e tal.

A bagaça começa às 15h e vai até o Kassab mandar kabar. Apareçam!

Abraços
--
Joca Reiners Terron

sexta-feira, 25 de julho de 2008

bauru não tem fim

Há livros que se intrometem na vida da gente. “Paris não tem fim”, do Vila-Matas, por uma série de razões, meteu o pé na porta da minha. A primeira vez que ouvi falar dele remonta ao início do ano da graça de 2005, quando enviei para o Joca Terron um fragmento de um troço que eu estava escrevendo.

Ele me respondeu com estímulo e disse que naquele momento trabalhava na tradução de uma obra, no caso o “Paris”, que, como eu, também citava o concurso anual de sósias de Ernest Hemingway em Key West. Em maio deste ano, após ter degustado costelas de porco e espinhaço de ovelha na casa do amigo, o Vila-Matas voltou ao centro do assunto, e o Joca me presenteou com um exemplar do livro.

Encontrei muito mais afinidades do que estas entre o livro e minha vida e uma delas me chamou particular atenção, a passagem em que Vila-Matas cita um boxeador que era muito parecido fisicamente com Hemingway e, por conta disso, ele indaga o homem a respeito da semelhança, ao que o sujeito responde: “É que eu sou Ernest Hemingway”.

Em 1990, recém-chegado a Bauru, onde fui muito pobre e feliz cursando jornalismo na UNESP, percebi, solitário na mesa ao lado da minha no Bar do Ô, um sujeito cabeludo, calça jeans, camiseta branca, casaco e botas de couro, cantarolando algo dos Doors. Eu ainda não tinha amigos, fugia dos veteranos para tentar preservar as minhas madeixas, que também alcançavam os ombros naquela época. Me aproximei e perguntei:
_Você gosta do Jim Morrison?
_Eu sou o Jim Morrison _, respondeu o cara que um dia traduziria o trecho quase igual do Vila-Matas.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

sem pacote fechado

As obras completas do amor
Têm de ser colecionadas
Fascículo a fascículo

quarta-feira, 23 de julho de 2008

still on the road

Sentei-me na parte traseira do táxi, um carro grande, bancos confortáveis. Ela ia na frente. São raras as mulheres que mesmo sozinhas andam imponentes ao lado do motorista.

Quando fui apanhado estava à beira da avenida, olhando o destino linear dos motores, a brutalidade de suas rodas. Qualquer um pensaria que eu aguardava um carro, um ônibus. Menos ela. Ela sabia o que se passava na minha cabeça naquele dia. Por isso, estava lá, como eu secretamente esperava.

O motorista arrancou, uma câmera viajando pelos prédios, canteiros e pedestres. Ela perguntou sobre mim. Disse que me sentia bem. Quis saber dela.
_Na medida do possível, correndo conforme o planejado_ foi sua resposta.

O trânsito, num capricho divino, estava tranqüilo para aquele horário. Eu queria que estivesse ruim. Não trocamos mais palavras, apenas dois olhares, e eu fiquei observando a nuca dela, o contorno dos ombros, a extensão dos braços nus, suas mãos.

Súbito, seus pelos ficaram mais dourados do que de costume e se eriçaram, da medula até o punho, uma pele retesada. Deve ter sido algum vento atrevido que furou o bloqueio das janelas, mas preferi acreditar que seu corpo desobedecia a sua cabeça e ainda gostava de mim, ainda me queria.
_Pode parar aqui, por favor_, pedi ao motorista.

Desci em um ponto qualquer da enorme cidade. Um moleque pegava latas vazias de cerveja em uma lixeira, a moça passeava com o cachorro. Abri um sorriso. Aquela pele arrepiada era um bom motivo para continuar vivo.

domingo, 20 de julho de 2008

a vida é um grande bolero



Convergência

Aurora de rosas y amanecer
Nota melosa que fingió el violín
Novelesco insomnio, do` vivió el amor
Así eres tú, mujer
Principicio y fin de la ilusión
Así vas tú em mi corazón
Así eres tú mi inspiración
Madero de nave que naugrafó
Piedra rodando sobre si misma
Alma doliente vagando a solas
De playas y olas así soy yo
La línea recta que convergió
Porque la tuya al final vivió

(marcelino guerra/bienvenido júlian gutiérrez)

sexta-feira, 18 de julho de 2008

morrison hotel



Hoje eu acordei ouvindo Doors
E tomei uma cerveja

No final do dia, o banco saberá
que eu paguei minha fatura

Uma madrugada aflita
Well, I woke up this morning
I got myself a beer

The Doors knows everything
O banco também
Portanto, saberá ao final do dia

Alguém assalta um banco de havaianas?
_Deve ser o celular, senhor.

_Bom dia, está atrasado. Pode somar para mim?
_No final do dia o banco saberá que o senhor pagou.
_Que bom, que bom.
_Mas esta é do mês seis.
_Sim, a sete é daqui a cinco dias.

E se eu for atropelado?
Se eu fugir para o Maranhão?
_O banco saberá no final do dia.


O banco é único a saber
sobre o meu futuro

quarta-feira, 16 de julho de 2008

terça-feira, 15 de julho de 2008

segunda-feira, 14 de julho de 2008

bandeirantes blues



Maravilhas ahead, aumenta o som, amor
Aqui vamos nós rumo ao início
Disco em contrário sentido
Para ouvirmos a frase cifrada
Tocada em suspiro sustenido

Keep your eyes on the road, baby
Músicas para rodar na estrada
Corações acelerados, olhos colados
Nas faixas, no asfalto, no nada

Pisa que a noite é clara, honey
A lua é crescente
Não há em toda a pista
Rife de motor mais potente

Avança, baby, milhas e milhas adiante
Quilômetros que viram números
Pedras que nos viram passar
Cai a chuva em rajadas de dimante

Miles Ahead!
Explodir os pistões, derreter as velas
Decolar no rumo do céu
Aumenta o som, baby,
A estrada agora é nossa,
A estrada é feita de mel.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

you don´t know what love is



_Ora, ora quanto tempo...
_Como vai John?
_Bem, e você?
_Indo.
_Você sumiu, me deixou preso na caixa...
_Pois é, nem me fale. Não foi sem dor no coração, John, acredite.
_O que está rolando?
_Mudança, John, mudança...
_Hum... Sei. Mas agora que você abriu a caixa, é melhor colocar o Duke e a Billie para respirar um pouco, ela tem se queixado de opressão, melancolia... E o Duke, você sabe, sempre gostou de luz, detesta ficar amassado.
_Tudo bem, mas por enquanto gostaria apenas de ouvir suas baladas.
_Você se amarra neste meu disco, né?
_Dá para sacar?
_Claro, você tem dois!
_É que, se um dia os sulcos de um ficarem totalmente gastos, eu tenho o outro.
_Isso é de uma bobagem tremenda. Ter, ter... Deveria ouvir mais meu A Love Supreme para ver se consegue se desprender um pouco. O amor é antes de tudo desapego. A obsessão é a cruz dos condenados que querem ter a tudo e a todos.
_Isto está um pouco pesado, igual a caixa de discos... Vou mudar de assunto, se importa? Como vai o Miles?
_Carregando sua cruz, com saudade de seus carrões, de suas mulheres, de seus ternos italianos, dos óculos, do champanhe. Dentro da caixa não tem dessas coisas. O Miles sempre teve medo de sofrer, por isso, sofreu muito. Tinha medo de sentir dor.
_E você, o que fazia com a dor?
_Em alguns casos, tocava baladas.

ps: faixa de cima: "It´s Easy to Remember"; de baixo: "Say It (Over and Over Again)"

quarta-feira, 9 de julho de 2008

grandes encontros

Uma vez, eu estava assistindo aula de alguma coisa chata que eu não lembro mais o que era no terceiro colegial em Ribeirão Preto. Aí, o professor de literatura pediu licença e entrou na classe com um amigo, um sujeito de bigode, vestindo jeans, camiseta branca de mangas compridas e tênis marinho de lona, bolsa de couro a tiracolo:
_Pessoal, este aqui é um colega, professor de cursinho do Paraná, ele vai lançar um livro hoje...
Eu não fui ao lançamento. Meus interesses naquela época basicamente se resumiam a garotas, futebol e cerveja. Talvez por isso, no final da noite passei no bar onde o professor de literatura e o amigo dele tomavam uns drinques.
_Ô garoto, chega aqui, senta aí_, disse o mestre assim que me avistou.
Pedi um chope e fiquei olhando a dupla tomar vodka como se fosse água. Matei minha bebida, dei umas risadas e caí fora. Carregando eternamente a glória de já ter entornado umas com o grande Paulo Leminski:

o velho leon e natália em coyoacán

desta vez não vai ter neve como em petrogrado aquele dia
o céu vai estar limpo e o sol brilhando
você dormindo e eu sonhando

nem casacos nem cossacos como em petrogrado aquele dia
apenas você nua e eu como nasci
eu dormindo e você sonhando

não vai mais ter multidões gritando como em petrogrado aquele dia
silêncio nós dois murmúrios azuis
eu e você dormindo e sonhando

nunca mais vai ter um dia como em petrogrado aquele dia
nada como um dia indo atrás de outro vindo
você e eu sonhando e dormindo

domingo, 6 de julho de 2008

sempre aos domingos

Lisboa, 14 de Março de 1916


Meu querido Sá-Carneiro:
Escrevo-lhe hoje por uma necessidade sentimental _uma ânsia aflita de falar consigo. Como de aqui se depreende, eu nada tenho a dizer-lhe. Só isto _que estou hoje no fundo de uma depressão sem fundo. O absurda da frase falará por mim.
Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro. Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno. A margem do rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá; e é esta a razão íntima de todo o meu sofrimento. Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem há desembarque onde se esqueça. Tudo isto aconteceu há muito tempo, mas a minha mágoa é mais antiga.
Em dias de alma como hoje eu sinto bem, em toda a minha consciência do meu corpo, que sou a criança triste em que a vida bateu. Puseram-me a um canto de onde se ouve brincar. Sinto nas mãos o brinquedo partido que me deram por uma ironia de lata. Hoje, dia 14 de Março, às 9 horas e 10 da noite, minha vida sabe a valer isto.
No jardim que entrevejo pelas janelas caladas do meu seqüestro, atiraram com todos os balouços para cima dos ramos onde pedem; estão enrolados muito alto; e assim nem a idéia de mim fugido pode, na minha imaginação, ter balouços para esquecer a hora.
Pouco mais ou menos isto, mas sem estilo, é o meu estado de alma neste momento. Como à veladora do “Marinheiro” ardem-me os olhos de ter pensado em chorar. Dói-me a vida aos poucos, a goles, por interstícios. Tudo isto está impresso em tipo muito pequeno num livro com brochura a descoser-se.
Se eu não estivesse escrevendo a você, teria que lhe jurar que esta carta é sincera, e que as coisas de nexo histérico que aí vão saíram espontâneas do me sinto. Mas você sentirá bem que esta tragédia irrepresentável é de uma realidade de cabide ou de chávena _cheia de aqui e de agora, e passando-se na minha alma como o verde das folhas.
Foi por isso que o príncipe não reinou. Esta frase é inteiramente absurda. Mas neste momento sinto que as frases absurdas dão grande vontade de chorar.
Pode ser que, se não deitar esta carta no correio amanhã, relendo-a, me demora a copiá-la à máquina para inserir esgares dela no “Livro do Desassossego”. Mas isso nada roubará a sinceridade com que a escrevo, nem a dolorosa inevitabilidade com que a sinto.
As últimas notícias são estas. Há também o estado de guerra com a Alemanha, mas já antes disso a dor fazia sofrer. Do outro lado da Vida, isto deve ser a legenda duma caricatura casual.
Isto não é bem loucura, mas a loucura deve dar um abandono ao com que se sofre, um gozo astucioso dos solavancos da alma, não muito diferente destes.
De que cor será sentir?
Milhares de abraços do seu, sempre seu muito seu

FERNANDO PESSOA

PS: Escrevi esta carta de um jacto. Relendo-a, vejo que, decididamente, a copiarei amanhã, antes de lha mandar. Poucas vezes tenho tão completamente escrito o meu psiquismo, com todas as suas atitudes sentimentais e intelectuais, com toda a sua histero-neurastenia fundamental, com todas aquelas intersecções e esquinas na consciência de si próprio que dele são tão características.
Você acha-me razão, não é verdade?

sexta-feira, 4 de julho de 2008

granero existencial

As mudanças costumam ser
muito difíceis para quem
ainda houve discos de vinil
e carrega livros à granel

quinta-feira, 3 de julho de 2008

doctor freud

O homem no labirinto
pergunta ao minotauro-menino:
_Onde vai dar este caminho?
_Me dê sua mão. Eu te levo ao seu destino.

terça-feira, 1 de julho de 2008