quarta-feira, 30 de abril de 2008

autumn rhythm (number 2)


Um homem coberto de páginas, papéis colados sobre ele de modo que o corpo magro fique completamente forrado por dezenas, centenas, milhares de palavras. Na cabeça, uma máscara carnavalesca de um famoso jogador de futebol (ou de um político?).
Esse homem-livro adentra a galeria e rapidamente rouba uma taça de espumante do homem-bandeja, gesto que irá se repetir muitas vezes naquela noite, já que não havia dry martini na local. Sua presença na vernissage causa certo frisson, mas, como escreverá o crítico do jornal, traduz perfeitamente a proposta do trabalho apresentado pela artista, a dessacralização do verbal no mundo contemporâneo devassado pela velocidade do signo áudiovisual e pela fulgacidade com que se constróem, se corrompem e se destróem celebridades.
Nosso herói passeia por entre obras, troca impressões com os meros mortais, diz que não agüenta mais viver oprimido em um mundo tomado pela dessacralização do verbal. De repente, efeito da super pílula azul que ele tomara havia minutos, os convidados observam surgir, em meio às palavras da saia que cobre sua púbis, um signo icônico, ou, melhor dizendo, um caralho bem duro. Nele, está escrito com canetinha hidrocor vermelha: buceta. Muitos se aproximam para ler. Alguns até aplaudem. “Fantástico”, sentenciará a crítica sobre a perda de referentes na era da propaganda.
Ao passar pela mulher-artista, o homem-livro-do-caralho-duro fala:
_Jackson Pollock no ventilador.
_Que bom, querido, você seguiu o meu conselho. As artes plásticas são a tua cara. Além do mais, você nunca conseguirá escrever nada que preste mesmo_, ela responde.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

fin

chega
caros amici

eu abandono o cinema francês
o sofrimento nas noites de domingo
as narrativas fragmentadas
os fluxos da consciência

vou é viver em um filme italiano
de maneira linear e neo-realista
lutar como um rocco
bailar à la scola

sentir o drama existencial com o charme do mastroiani
me indignar com o humor do moretti
encarar meus desafestos como em um western-spaghetti

afinal, que catzo é a vida senão um comédia popular?

adeus godard
entre a dor e o nada escolhi a itália

adeus truffaut
é impossível amar a todas as mulheres

bem-vindos
zurlini rossellini fellini
pier
paolo
pasolini

adeus deusa deneuve
a fria beleza galesa

de agora em diante
nada de soberbo penteado
de tailler comportado
de reflexões enfumaçadas em um café

saem as mulheres melancólicas
sem um cílio fora do lugar

entram os melonis e risos fartos
os pêlos até nos sovacos

petrova
a protanca

laura
a morante
a antonelli
a del sol

monica
che bella bellucci

sofia
a única

fan
fin
fon
fin
fun

que se foda essa novelle vague toda
e que la nave da vida



(em homenagem ao amigo xico sá como prova de sua influência)

sexta-feira, 25 de abril de 2008

autum rhythm

Os dois se conhecem naquele bar que tem um pôster do Pixinguinha logo na entrada e combinam um encontro pela manhã na Pinacoteca, já que ele sempre procurará impressioná-la com truques baratos e falsas paixões (ou é ela quem faz isso?). No museu, eles nem prestam atenção à coleção visitada, preferem fabricar frases espontâneas, armazenar impressões e conceitos para a conversa do almoço, em um restaurante típico das imediações, onde, assim que o casal adentra o salão, o proprietário avança, braços abertos e português claudicante, ao encontro do homem. Bastam poucos minutos e a mulher está hipnotizada pelo senhor de cabelos pintados acaju, aroma de loção pós-barba, dentes de ouro e 90 anos de histórias que dariam um livro.
_Este amigo aqui vai escrever minha biografia_, diz o velho, como se lesse os pensamentos dela.
O homem marca pontos importantes auxiliado pelo grego e, antes da lula recheada e da mousaka aterrisarem na mesa, agradece o companheiro de outras batalhas com um sorriso que somente o drive da cumplicidade masculina é capaz de ler. De seu lado e rodando o mesmo programa, o velho tira o pente do bolso, desliza-o sobre os fios ralos, ajeita o bigode e se diz pronto para que ela aperte sem medo o botão da câmera digital. O flash é uma espécie de senha, e o anfitrião encerrar o número, deixando-os a sós, não se antes beijar a mão da moça.
_Bom apetite_, diz ele, sorridente.
A mulher relembra suas passagens esporádicas pelo bairro na infância, quando ali ainda viviam os judeus, e pergunta se ele vai mesmo escrever a biografia do velho grego. O homem responde que coleciona histórias a cada visita e aproveita para emendar uma que tem como cenário a Segunda Guerra, mas termina avaliando que tudo talvez fique mais interessante em um curta-metragem, pois o personagem e seu habitat estão acima das palavras impressas. Os dois pedem mais vinho para celebrar a convergência de opiniões. Ele nota um leve rubor nas faces de sua convidada. Ela, uma cicatriz no queixo dele.
_Se você quiser, eu posso fazer a cenografia e a iluminação_, diz a mulher.
_Fechado.
Conforme planejado, o almoço transcorre em meio às opiniões de ambos sobre a maneira como o suporte na arte contemporânea se transformou em espaço de convergência para experiências sensoriais e poéticas, sobre o melhor filme de todos os tempos, que nunca irá se comparar a uma grande trepada, e sobre como é bonito o sul da Itália naquela época do ano, além, é claro, de elogios às delícias da culinária grega e brindes aos grandes romances que marcaram o século passado. Terminado o café, ela se lembra que tem a tarde livre e oferece uma carona ao homem. Antes, no passeio pelo jardim de esculturas da Pinacoteca, ele tece novas e pertinentes considerações, dessa vez a respeito da leveza de um cubo de ferro retorcido.
_Você também deveria experimentar as artes plásticas_, ela sugere.
_Eu só sei desenhar casinhas.
_Pode fazer como o Jackson Pollock, que apenas jogava tinta em telas espalhadas pelo chão e é chamado de gênio.
_A única coisa que eu sei jogar com algum talento é merda no ventilador_, ele responde.
A mulher gargalha.
No futuro, descobrirá que não se tratava de uma frase de efeito.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Brasileiros

Entrevistador – Como você definiria sua atividade?
Entrevistada – Eu sou uma sound space designer, uma decoradora musical, decoro espaços sonoros.

Entrevistador – Onde surgiu essa idéia?
Entrevistada – Pronta e acabada, foi em Nova York, na minha lua-de-mel. Quando terminei a arquitetura na FAAP, passei uma temporada na Europa, especialmente em Londres e Madrid. Lá, colecionei sons e imagens, começava a se formar o conceito. Mas hoje percebo que a inspiração mesmo, a concepção final, é Brasil total.

Entrevistador – Como se desenvolve esse trabalho?
Entrevistada – Eu tenho uma reunião com o proprietário do local, ele me chama e pergunta que tipo de música deveria tocar no seu espaço. Nas lojas da Viva o Dia a coleção era de uma tendência oriental, indiana, então fiquei na fábrica um período fazendo pesquisa de tecidos, tudo para me inspirar e criar um som que fosse a cara musical do produto.

Entrevistador – E que tipo de música você usa?
Entrevistada – Depende do lugar, do produto que ele vende, se é uma loja, um restaurante, um hotel. Tudo vai influenciar para que eu crie um estilo musical para esse espaço, entende?

Entrevistador – Quais são seus selos e artistas preferidos?
Entrevistada – Eu não me prendo a selos, nem a artistas e a nomes de músicas. Não sei o nome da maioria das coisas que eu toco, simplesmente escuto e gosto, pronto. Toco remix de coisas nossas, de Tom Jobim, por exemplo, mas sempre cantado em inglês ou francês. Procuro o que tem de mais elegante nos brasileiros pra tocar. Por exemplo, Caetano cantando Cole Porter, é o máximo.

Entrevistador – Uma pergunta chata, indiscreta. Você ganha bem?
Entrevistada – Olha, faço isso mais por prazer e por acreditar que é possível melhorar a vida das pessoas, o mundo, dar mais alegria e estilo aos ambientes. Mas eu diria que em termos de grana dá para manter um padrão de vida razoável. Ir à Europa uma vez por ano, passar um final de semana em Nova York. Essas coisas sem importância. Eu amo a vida.

***


Passava das 5h quando o telefone celular tocou, e o bebê imediatamente começou ao chorar ao lado da cama. A mulher esticou o braço e conseguiu acionar o interruptor.
_ Alô_, balbuciou José Alfredo.
_ E aí truta? Tava dormindo?
_ Dá um tempo, fala logo.
_ Tem uma encomenda para buscar no aeroporto, em Cumbica, coisa que tá chegando dos gringos. Como você mora aí em Guarulhos e tá quase na hora de pegar no trampo, o gerente quer saber se tu topa encarar essa e sair mais cedo à tarde. Pode ser?
_ Pode, já tô acordado mesmo.
_ Fica frio aí que eu vou passar os dados.
A mulher, com o bebê no colo, se chacoalhava no meio do quarto enquanto Zé Alfredo improvisava um criado-mudo no caixote para rabiscar o papel.
Menos de meia hora depois, o motoboy já estava na Ayrton Senna, todo plastificado para escapar do frio. “Caralho”, pensou, quando o Audi A3 passou zunindo. “Com essa neblina toda, era capaz desse filho-da-puta ter me pegado”. Foi o último pensamento antes de sentir a pancada bem no meio do peito.
A perícia demorou para entender o que havia acontecido. Só quando um policial chegou com a garrafa de champanhe na mão é que alguém pôde encerrar o relatório. O corpo nem estava no local, já tinha sido despachado para o IML.

***

Carolina Peixoto de Macedo viajou a Europa inteira com uma mochila nas costas. Exigência dela. O pai queria mesmo era roteiro fechado e bem definido, com reserva em hotel, guias e telefone celular.
_Mas o presente é Carol quem escolhe_, argumentava ele.
No Velho Mundo, Carol pernoitou em albergues, namorou um negro camaronês, tomou vários porres, um deles de grapa em frente à Fontana di Trevi, ficou muito louca com o haxixe de um turco, passou alguns dias sem tomar banho e descobriu o lado selvagem da vida, como gostava de dizer.
_ Mas não joguei um papelzinho de bala sequer fora do lixo _, fazia questão de ressaltar a moça às amigas na volta ao Brasil.
Dias antes da viagem, o curso de arquitetura na FAAP fora concluído. O estágio na loja e o namoro com Marcelo Alvarenga de Mendonça ajudaram a menina a virar mulher, ela frisava. Era casamento, na certa. Doutor Macedo, dessa vez, a presenteou com um carro novo, modelo popular, claro, Carol novamente fazia questão por conta do consumo de combustível que detona o planeta. A data agitou as colunas.
_ Algumas tradições e celebrações não podem ser quebradas_, justificava ela sobre a festa nas colunas dos jornais.
Terminada a comemoração, os noivos rumaram direto para o Aeroporto de Guarulhos. A lua-de-mel seria nos Estados Unidos, em Nova York.
_ Por enquanto, quero guardar outras lembranças da Europa _, explicou ela às amigas, que não entediam o motivo de a França ter sido descartada.
Embriagada de tanta alegria, Carol pediu ao motorista para acelerar na rodovia Ayrton Senna, queria sentir o vento em seu rosto.
_Eu amo a vida!_gritava.
Deu risada ao recordar o “acelera Ayrton” da Fórmula 1, a quase 200 km/h, meio corpo para fora da janela do Audi. Justamente quando a garrafa de Velvè Cliquot escapou de sua mão.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

bsb, 48

Hoje é aniversário de Brasília, um lugar onde eu quase-morei; este blog não tem a menor vontade/vocação de ser um diário ou de fazer qualquer coisa que lembre vagamente o jornalismo e muito menos a politica, mas, a exemplo dos 454 aninhos de Sampa, deu vontade de registrar a data com a ajuda do professor Leminski:

"Claro Calar sobre uma Cidade sem Ruínas (Ruinogramas)

Em Brasília, admirei.
Não a niemeyer lei,
a vida das pessoas
penetrando nos esquemas
como a tinta sangue
no mata borrão,
crescendo o vermelho gente,
entre pedra e pedra,
pela terra a dentro.

Em Brasília, admirei.
O pequeno restaurante clandestino,
criminoso por estar
fora da quadra permitida.
Sim, Brasília.
Admirei o tempo
que já cobre de anos
tuas impecáveis matemáticas.

Adeus, Cidade.
O erro, claro, não a lei.
Muito me admirastes,
muito te admirei."

sexta-feira, 18 de abril de 2008

libertinagem



os malvados

"Stars shining bright above you
Night breezes seem to whisper "i love you"
Birds singin� in the sycamore trees
Dream a little dream of me

Say nighty-night and kiss me
Just hold me tight and tell me you�ll miss me
While I�m alone and blue as can be
Dream a little dream of me

Stars fading but I linger on dear
Still craving your kiss
I�m longin� to linger till dawn dear
Just saying this

Sweet dreams till sunbeams find you
Sweet dreams that leave all worries behind you
But in your dreams whatever they be
Dream a little dream of me

(instrumental break)

Stars shining up above you
Night breezes seem to whisper "i love you"
Birds singin� in the sycamore trees
Dream a little dream of me

Sweet dreams till sunbeams find you
Sweet dreams that leave all worries behind you
But in your dreams whatever they be
Dream a little dream of me

Yes, dream a little dream of me"



o bom moço

terça-feira, 15 de abril de 2008

purificções/constelação

A mulher entra no quarto, pendura o casaco marrom e acomoda a bolsa na cadeira de pé palito. Liga o rádio embutido no criado-mudo e se joga sobre a cama, calada.
Sem ter muito a dizer, ele, na poltrona, recorda um texto do curso de pós-graduação (ou de um artigo de jornal, de uma conversa em mesa de bar):
_Nas artes, há os mestres e os inventores. Caetano é um compositor de invenção.
Ela, com ar displicente, responde:
_Tô mais Chico agora.
_Algum motivo especial?
_Sei lá, fases_, corta a mulher.
O homem não desiste, mesmo sabendo que ela está chateada. Quer acreditar que a mulher ainda se choca com performances de arte contemporânea e que a brincadeira na vernissage foi esquecida, mas sente que a história não terminará como ele imaginara. É claro, um autor medíocre sempre erra no final, pensa. Como último recurso, mira o rosto de traços agudos e faz um elogio aos olhos. Cantada antiga e sincera. Como se procurasse uma resposta escondida nos afrescos art deco do teto, ela responde:
_O melhor são os pés.
_Você é mesmo estranha. Quase sempre usa sapatos fechados, não tira as meias nem para dormir.
A mulher sequer sorri. Levanta-se como um felino que vai da inania ao bote fatal em milésimos de segundo.
_Em quase tudo aqui há um sinal do tempo_, desconversa ela ao retornar do banheiro, onde acaba de apreciar as machas verdes incrustadas no dourado das torneiras.
_Uma forma elegante, apesar de clichê, de criticar a decadência do local_, comenta o homem.
Ao tentar beijar o peito branco, ele é imediatamente contido pelas gotas de vinho tinto que salpicam o lençol.
_Deixa, não se preocupe, vai ficar manchado de tempo. Do tempo em que fomos felizes_, diz ela, agarrando-o entre as pernas.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

sexo oral

Com um papo-de-anjo
meu quindim saiu atrás de um pão-doce

demorou um bonbocado
e voltou com um sonho despedaçado

o bem-casado virou passado
mas ainda sinto na boca
sua baba-de-moça

sexta-feira, 11 de abril de 2008

texugos

Como diria o Bozo, sempre rir.

terça-feira, 8 de abril de 2008

pet friends

Abro a porta e vejo o rastro gosmento que a rã escorreu aos pulos pelo hall.

Tudo bem, amanhã a empregada dará um jeito nisso, penso, enquanto jogo a pasta na cadeira e caminho até o bar improvisado na cozinha;
por enquanto,eu só preciso me manter longe do animal.

Tomo o primeiro uísque e confesso que fico um pouco feliz de ter a rã por perto;
o segundo, me dá vontade de acariciar a pele enrugada e gélida do batráquio, mas ele se esconde entre as garrafas;
após o terceiro, até uma ponta de saudade futura aparece e prometo que amanhã abrirei a melhor de todas as bebidas para brindar a sua memória;
desmaio no sofá com a sensação de que ela repousa embaixo dele.

Engano;
pela manhã, percebo que a rã passou a noite a bisbilhotar, revirou os livros, esquadrinhou as contas, catalogou os discos importados, passeou com os carrinhos de ferro, tirou onda na adega climatizada;
fico puto, inseguro e mal-humorado.

É PRECISO ESCORRAÇAR A RÃ, escrevo no bilhete com instruções à empregada.

Em outros tempos, chamaria meu pai, e ele viria e me daria uma bronca porque homens não podem ter medo de rãs inofensivas;
se estivesse vivo.

Chamaria minha mãe, e ela viria para me proteger, esmagaria o animal com uma vassourada;
se tivesse forças.

Corro dez quilômetros, tomo os cereais e decido perdoar a rã porque tenho certeza de que logo mais ela sairá naturalmente da minha casa.

Mas como?

Se o apê que acabo de comprar em muitas prestações é totalmente à prova de frestas e buracos?

Aliás, por onde ela entrou?

Reescrevo embaixo dos rabiscos na lista de instruções: ACABE COM A RAÇA DA RÃ!

Desisto pela segunda vez da ordem;
a empregada é semi-analfabeta e religiosa, tem um coração bom, não compreenderia minha indignação.

No carro, ouço o coaxar da rã;
será possível?

Não, é claro que não, deve ser alguma peça desregulada do motor, ainda que ele seja o melhor e mais moderno entre os populares;
deixa pra lá, é mais fácil aumentar a música, até porque em uma hora desta a eficiente faxineira já deve, por conta própria, ter sumido com a rã, e, à noite, vou abrir um blue label para comemorar, quem sabe vou chamar a mulher para um brinde;
aumento de novo o rádio.

Antes, no entanto, é preciso trabalhar direito, fazer a minha parte;
é isso: eu faço a minha no escritório, a faxineira faz a dela no apê e expulsa a rã, o servente aprisiona o bicho em um saco plástico, o zelador despeja o pacote na rua, e os lixeiros moem tudo no caminhão, massacram, espremem, escorraçam a rã;
afinal, estou rigorosamente em dia com os impostos, a taxa do condomínio e o salário da empregada.

Mudo de idéia: o melhor mesmo seria se o cadáver da rã chegasse intacto ao lixão, onde uma família pobre poderia usá-lo em uma nutritiva sopa;
ou então a própria faxineira poderia levá-lo embora junto com as sobras do jantar e as camisetas velhas que deixei separadas.

Pego a mulher na casa dela e sigo direto para o restaurante; tomamos um vinho branco e eu quase peço rãs à provençal, sorrio feliz com o meu senso de humor refinado, com a minha inteligência que me permite fazer piadas elegantes dos piores problemas e contratempos;
a moça me admira apaixonada, o chefe me elogiou no trabalho;
a porra da rã deve ter sido eliminada.

Abro a porta e não há sinal de rastros da rã, tudo está em ordem perfeita;
penso que a classe trabalhadora brasileira é a mais eficiente do mundo, além de cobrar pouco;
rio novamente baixinho.

Mostro à mulher os discos importados, os livros na estante, a adega climatizada, as obras na parede e, como prometido, abro o uísque mais caro;
transamos no tapete, no sofá e na cama king size do meu quarto;
ela quer ficar, mas digo que tenho compromissos inadiáveis logo cedo e chamo-lhe o melhor táxi da cidade.

Assisto “A Primeira Noite de Tranqüilidade”.

Vou dormir e sonho com a rã.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

arqueologias

o amor te assopra
um beijo no nariz
enquanto dormes feliz

***

o vento me toca
na vitrola gal
arrepio total

***

ensaboa a máquina
sem sol
nem mulatas

(instantâneos de 1993-1994)

quinta-feira, 3 de abril de 2008

purificções/a conferência 2

o sol que persiste mesmo dentro do teatro, os dentes muito brancos, a expectativa da platéia espremida, as mãos grossas e pretas que não cessam de apertar o trompete na cabeça de simone. mesmo quando jean-paul fala, naquela cidade de nome esquisito e muito comprido, naquele país de nome pequeno, mas que é um continente, como gostam de dizer seus habitantes, ela pensa em Davis. walkin, simone, walkin. e jean-paul daquele jeito estranho que ele tem de falar para uma platéia fissurada na coisa ininteligível da filosofia existencialista, em um país jovem e tropical que vive um momento de otimismo revolucionário e de estabilidade política e se propõe a ouvir com entusiasmo quase pueril as reflexões sobre o marxismo e a question de méthode. e jean-paul olhando a moça na segunda fila, exalando o suor doce de perfume francês e a sensualidade que rasga o coração da américa e alinhava a música do continente, a música de milles. simone bufa (daquele jeito classudo que os só os franceses sabem; um pbufff baixinho, quase imperceptível que apenas o pequeno mosquito-pólvora que sobrevoa a boca e as narinas dela é capaz de perceber). simone abaixa a cabeça.

a luz que não deixa edson enxergar direito a bola após pepe disparar um canhão da esquerda até o centro da área. a poça de suor explodindo, e a cabeça de edson zunindo muito, a testa marcada pela costura dos gomos de couro. caralho, como chuta forte esse cara, se eu consigo pegar de jeito, tinha furado a rede, um milímetro mais para baixo na minha testa, mas foi longe, hoje vai ser difícil. edson ainda meio tonto trotando até o meio-campo, parado, de novo acenando as mãos pretas, de novo as mãos pretas na cintura, os dentes brancos. tem que tocar de primeira, de prima pagão, parecia até as loiras da suécia em 58, mas eu era muito cabaço naquela copa e não aproveitei do jeito que eu devia, não, assim não, de prima pagão, não disse, olha lá, cada peitão, esquece, pelé, se concentra no que você está fazendo, caralho, eu tô zonzo, por que esta merda de tempo está passando tão rápido? como era mesmo o nome da loira? olha lá, outro gol dos caras, puta merda, azar.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

ringue

bons tragos
um terço
duas fatias de pão
o dente provisório
a dieta infalível
aquela trepada
uma medalhinha na carteira
três sementes de romã
sêmen, suor e lágrimas
200 metros borboleta
meio quilo de fotos
mais tragos
cinco poemas
treze contos
500 mg de amoxicilina
olhos atentos ao cruzar a rua
olhos mortos de sono
protetor solar 30
cinco anos de psicanálise

EU

dia-a-dia
lutando
contra a morte