terça-feira, 26 de agosto de 2008

sigmund

Na edição de agosto, a Bravo! aborda a relação entre o escritor austríaco Arthur Schnitzler e o criador da psicanálise Sigmund Freud - que chamou o escritor de seu "duplo". Schnitzler criou seus romances ao mesmo tempo em que Freud desenvolvia sua teoria psicanalítica. No dia 27 de agosto, às 20h30, participam da mesa de debate Noemi Moritz Kon, psicanalista e autora da reportagem, e Helmut Galle, professor de literatura da Universidade de São Paulo.

Café Literário Centro de Cultura Judaica
Rua Oscar Freire , 2500 - Sumaré
Tel: (11) 3065-4333
Dia 27 de agosto, às 20h30

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

O sorriso do João

Bem mesmo, eu só me lembro da chuva, muita chuva, dessas do interior, que chegam pelos lados, dando umas lambadas ardidas na gente, com um cheiro forte de mato e de terra. Muito louco. Todo o resto é barro, um extenso lamaçal, terreno escorregadio e pegajoso da memória. Mas isso não o interessa, não é mesmo? Como dizem nos interrogatórios, vamos aos fatos. E contra eles, não há argumentos, sentenciarão ao final os homens do raciocínio límpido. De minha parte, antecipo o contra-argumento: há as histórias. É uma delas que tentarei contar agora, revolvendo a água turvada destes últimos dias para recolher o que ainda flutua e tatear o lodo em busca do que quer se esconder.
Foram quase oito horas de viagem para chegar até a fazenda. Um caminhão carregado de combustível, outro de tomates, um fusca e duas camionetes transportaram meu corpo magro, minha cabeleira suja e a mochila velha. Apesar de o Júnior ter viajado com o pessoal da faculdade logo na sexta-feira, muita gente também caiu na estrada no domingo de Carnaval. Quem não metesse o dedo para arranjar carona aquela manhã perderia os dois últimos dias do festival, que não tinha porra nenhuma a ver com a folia, pelo menos não com a folia das ruas e dos salões. Meu lance e o dessa moçada era ver o João na segunda-feira. Então, na rodovia, motorista gente fina parava e logo cinco ou seis caronistas enfiavam o rosto na janela. Aí, era quem entrasse primeiro, cada um por si mesmo.
Viemos trocando idéias sobre o que pintasse, o que rolasse de assunto. Uns também colocavam na roda um cantil com cachaça. Outros, um pedaço de sanduíche, de bolo integral. Com sorte, pintava até um baseadinho, isso, é claro, dependendo da boa vontade do motorista de fazer vista grossa ou de participar dando uns pegas. Foi uma viagem, literalmente. Acho que ninguém desse pessoal está mais na fazenda ou nas imediações, todo mundo deve ter caído fora na Quarta-feira de Cinzas. Também não me lembro dos nomes. Muito fumo e muita cachaça, desde o início. Além da chuva, é claro, que deixava a gente com a impressão de que tudo estava embaçado.
Chegamos tipo no final da tarde. Fui direto para a fazenda, tentar descolar um canto em uma barraca de algum camarada ou de alguma alma caridosa, mas, nessa minha primeira noite, acabei dormindo ao relento mesmo, enrolado na lona que a mulher de um camarada me descolou. Quer dizer, praticamente nem preguei o olho. Também nem vi os shows direito. Pela manhã, voltei a procurar o Júnior, agora com mais calma, percorrendo o imenso pasto de cima a baixo e até mesmo enfiando a cabeça dentro das cabanas. A mesma figura que me arranjara a lona disse que ele tinha se mandado para Bauru naquela tarde, com uma turma da região, atrás do João. Fiz o mesmo.
Não foi difícil encontrar o hotel Vitória Régia. Mas não vi nem o Júnior nem o João lá, ainda que o mensageiro tivesse me garantido que ele, o João, estava na cidade havia dois dias e tinha até pedido para deixarem um carro preparado na garagem. Eu nem sabia que ele dirigia, achei que matasse o tempo trancado no quarto, tocando violão, fazendo yôga e fumando maconha, mais nada além disso. Há certos tipos de homens que não gosta de guiar veículos. Achei que ele fosse um desses. O local estava cheio de curiosos, viajantes e artistas. Ficamos lá até o início da noite, quando me juntei a um grupo de jornalistas e voltei em uma kombi para a fazenda Águas Claras, para a quarta noite do festival, a esperada segunda-feira do show do João. Tive a impressão de vê-lo dirigindo um dos carros que nos ultrapassou na estrada, mas acho que era piração. Quando chegamos, os primeiros shows já estavam rolando e um dos meus novos amigos da perua me botou um naco de LSD na boca.
Essa noite foi a de chuva mais forte, parecia que o mundo ia acabar. A iluminação era fraca e eu procurava o Júnior cutucando as pessoas, mas só dava de cara com gente atolada na terra, tentando fumar ou mamando cachaça. Uma briga estourou, acho que era uma briga, as pessoas se afundavam no barro ou tentavam escapar com o vento cortando na cara. Eu via o palco bem de longe, a galera correndo para botar plásticos e lonas em cima dos equipamentos de som. Tive um acesso de risos que deve ter durado horas e me agachei no meio de uma touceira de capim para sentir o cheiro do mato e da bosta de vaca. Foi quando encanei que aquilo parecia um campo de batalha, com a diferença de que eu não sabia quem era o inimigo. Fiquei com muito medo e tive mais vontade ainda de encontrar o Júnior ou de ouvir o João, que tocaria dentro de algumas horas, cantar “O Amor, o Sorriso e a Flor”. Pensar nisso era o que me acalmava, junto da pinga que eu ingeria em quantidades industriais. Então, apaguei, total. Só no dia seguinte, descobri que o show do João havia sido adiado por causa da chuva. Menos mal, pensei, afinal eu estava lá para ouvir o que ele e o Júnior tinham a dizer.
Quase recomposto, tomei um copo de café e comi um sanduíche de queijo, o suficiente para recomeçar a beber e a fumar. As apresentações da noite anterior tinham sido transferidas para a tarde daquele dia, a Terça-feira Gorda, então, a festa começou cedo. No meio do pasto, curtindo o som de sei lá quem, dei de cara com um grupo de conhecidos da faculdade de Filosofia e perguntei do Júnior. Antes de responder, eles quiseram saber por que a gente tinha brigado na festa do Dunguinha, ainda em São Paulo, na noite de quinta-feira. Respondi que eu também não sabia, achava que era por causa de uma bobagem de uma discussão sobre a ética em Espinoza ou sei lá o que. Mentira, o motivo era o namoro dele com a Fernanda. O Júnior e eu morávamos na mesma república, dividíamos o mesmo quarto fazia dois anos, éramos inseparáveis até ela aparecer com aquelas porcarias de incensos e vestidos indianos, e Ele praticamente se mudou para a casa dela.
Foi nessa hora que alguém chegou e disse “acabei de trombar o Júnior em uma barraca atrás do palco, ele tá esperando o João”. Eu sabia que ele faria isso, só não tinha pensando na possibilidade antes. O Júnior tentava imitar o João no violão, na yôga e na maconha. Fiquei feliz por um momento e saí esbarrando em quem estivesse na frente, deslizando no lamaçal. Foi quando a chuva aumentou de novo, cheia de força e daquele cheiro de mato e de terra que eu falei no começo. Parecia um sonho: água, barro, meu pé atolando fundo, um monte de gente na frente, um segurança, dois seguranças pensando que eu queria invadir o palco, eu me desvencilhando deles, o ácido do dia anterior batendo de novo, meu coração batendo mais rápido, a pinga com mel e limão encharcando minha cabeça, o fumo, o zíper da barraca, a Fernanda de quatro e o Júnior em cima dela. Os dois rindo da minha cara. É, acho que estavam rindo da minha cara. Definitivamente, estavam rindo da minha cara.
Fechei o zíper e saí desnorteado. Fiquei um tempo tentando pôr as idéias no lugar. Até que passei a mão em uma pedra grande, com umas ranhuras feitas pelo tempo, louca, parecia artesanato que os hippies vendiam. Me deu outro branco. Voltei. Chamei o nome dele. A vagabunda tinha saído atrás de fumo ou de birita. Assim que ele me olhou nos olhos, desferi um único golpe. Pensam que ele tomou tanta droga que caiu de cabeça na pedra.
Como disse, essas lembranças chegam igual a flashes. Deixei o corpo arrebentado no barro do fundo da barraca e ouvi dizerem que o show do João havia, de novo, sido cancelado. Dessa vez, para sempre. Não havia condições de ninguém cantar com aquele temporal, muito menos o João.
Minha roupa estava toda suja de sangue e de lama, uma massa marrom avermelhada no peito que formava um desenho psicodélico muito louco. Saí andando e parei de novo em Bauru, de novo na porta do hotel, madrugada alta. Acho que foram uns 30 quilômetros de caminhada. Fiquei imóvel como uma estátua de barro, até um farol me cegar e me obrigar a sair da frente do portão, metendo a mão na cara para tapar os olhos. Quando as tirei, o carro estava a meu lado. Então, o João Gilberto me deu um sorriso lindo, acho que era o João Gilberto, ajeitou os óculos e arrancou lentamente na noite fresca, com esse cheiro de terra que a chuva do interior tem. Definitivamente, era o João Gilberto. Muito louco. Ele saiu para respirar. Fez bem.

sábado, 16 de agosto de 2008

maracangalha

_Seja bem-vindo, Dorival!
_Salve Tom! Cadê o Vinícius?
_Foi buscar o uísque. Você demorou, hein?
_Acontece que eu sou baiano, Tom...

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

um bom debate

No lançamento de Bravo! na FNAC Pinheiros, em São Paulo, os cineastas Bruno Barreto e João Moreira Salles e o jornalista André Nigri discutiram, entre outras, a seguinte questão: por que o cinema pauta o debate cultural no Brasil e a literatura sumiu de cena? Dê sua opinião. Veja aqui

domingo, 10 de agosto de 2008

jardim de inverno

Pneu sem ar
Na Vila Mariana
Só o mundo a rodar

***

Dia plantado na cama
Como se grama na cama
Eu fosse

***

Bolero que trafega
Entre sonho e libido
E me faz caminhar dividido

***

Andado
Chegado
Partido

Andar diluído
Metade prum lado
Metade em duplo sentido

***

Um dia recuperarei
O que se perdeu
No reino de Morfeu

Todas as idéias
As palavras
Que se dissolveram
Ao bafo quente do deus

Um dia ordenarei os sonhos
Emendarei as narrativas
Colarei o que não tem encaixe

E descobrirei que o meu destino
Escafandrista do desterro
É sonhar antes de domir

***

Tiro de prata no peito
Nem assim morro
Apenas parto
Nasce outro
Com o nome saudade

***

Não vou embora
Desta,
Para melhor,
Fica pra outra.

***

Que besteira é a vida!
Um jogo em que ganha
Quem melhor lambe ferida?

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

um urso no sótão

Os psicóticos olhos do tempo

O tempo funga em minha nuca.
derrama sua baba horrenda em minhas costas
e esfola meu calcanhar com simplicidade.

Encurralado num corredor apertado,
resta-me apenas engolir a saliva com raiva
e rogar a maior de todas as pragas em brasa.

Currado como detento recente,
deformo-me na humilhação da posição fetal
e aprisiono o soluço no ranger dos dentes.

O tempo não olha o estrago que faz,
seus olhos psicóticos estão sempre fechados
imaginando luz onde existe putrefação no vácuo.

O tempo me quebra inteiro
e grita que sou mais um dependente
que o destino do meu sangue
é fazer parte da terra.

Marcos Losnak

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

mileumaléguas



Você me afogou o juízo
No céu da boca
me colocou guizo

Na tua mesa
Quer me ver guisado
Esperando ser devorado

Quem sabe assado
Maçã na boca
Peixe
Na rede
Laçado

Mas espere
Com quantos garfos
Pretendes me rasgar?

Com quais talheres?
Com que faca guinzo
Gueixa minha
Me destroçar?


Antes, escamas
Uma
a
Uma
terás de pinçar

Sou Namor
Sou Submarino
Sou Princípio

Acquamares
Acquamundo
Acqualouco

Verdade submersa:
Tenho guelras

De aço
Sabias?

Por isso
Pulo
Me debato
Quase escapo

Ensaboado
Esguio
Escorro

Sim
Livre
Escapulo

Escapo
Afundo
No lodo

Escolho o poço
A fossa abissal
Do seu olho

A foz onde teu desejo
Salmoura carne a boiar
Deságua

Mergulho
E nado
Nado
Nado

(com a participação de Namor, o Príncipe Submarino, o desenho que eu mais gostava na submersa infância)

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

terça-feira, 5 de agosto de 2008

domingo, 3 de agosto de 2008

eu vou cantar minha dor



William Faulkner liga o rádio do hotel Esplanada
Mais um dry martini
Outro
Outro
De cachaça

***

"Lábios que eu beijei
Mãos que eu afaguei
Volta
Dai lenitivo à minha dor"

***

Que porra Frank Sinatra está cantando?
Em português?
Sinatra é um louco filha-da-puta.
Canta muito bem.
Em português.

***

_A dor de Orlando é muito grande.
_Ele bebe, ele cheira, ele ama.
_Ele não canta mais Rosa, o Orlando, sabia?
_Não.
_É por causa que a mãe morreu.
_Ela gostava de Rosa?
_Era a música preferida dela.
_Se ele cantasse ele chorava?
_Acho que sim.

***

Caralho de país estranho.
Frank Sinatra cantando em português.
Eu devo estar muito bêbado.

***

"Não guardo frios rancores
Pois entre os teus milamores
Eu sou o número um
Eu sou o número ummmmmmmmmmm"

***

_Morfina.
_Orlando era viciado em morfina?
_Teve os dedo do pé estirpados pelo bonde. Os dentes foram raspados até a gengiva.
_Orlando sentia muita dor por isso?
_Sim, mas não era por isso.

***

William percebe que não é Sinatra quem está cantando.
Pensa que encontrou alguém melhor do que Sinatra.
Fica feliz.


***

"Pega machuca minha dor
Nega neguinha
Tudo tudinho
Meu amorzinho
Com essa boquinha
Vermelhinha
Rasgadinha
Que tem veneno"

***

Melhor assim. Eu não queria ouvir Sinatra hoje.

***

O mensageiro do hotel chega para avisar William de que estão a sua espera na portaria.
Ele pensa que 1954 é um ano muito louco.
E que Sinatra canta muito bem em português.
E desliga o rádio.

***

"Naná és sonho que se fez mulher
És dia em pleno amanhecer"

***

William tem um prêmio Nobel de literatura
Um monte de livros publicados
Mas sofre
E não sabe o motivo

***

"Deus tem compaixão
Deste infeliz
Por que sofrer assim?
Compadecei-vos dos meus ais"

***

_Mas e aí? Por que ele sofria?
_Sei lá. Ele teve um fim de vida triste.
_Que louco isso, né? Os caras atingem o sucesso, a glória, as multidões, mas continuam tristes.
_Acho que nem eles sabem o motivo.

***

Orlando era o cantor das multidões.
Tinha um monte de prêmios.
Tinha dinheiro.
Tinha mulheres.
Mas se cantasse Rosa, chorava.


***

"Jurar
Aos pés do onipotente
Em preces tão dolentes"

***

Orlando era foda!!!!

***

Faulkner também!!!!

***

Entre e a dor e o nada,
Eles escolheram a dor.


***

"Um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegando atrasado
andasse mais adiante

Carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisas que os valha
ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer, vai ser minha última obra"

(Paulo Leminski)

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

cada noche un amor



Assisti ao "Velho e o Mar" junto com meu avó, que era cantor;
quando eu era pequeno.
Um versão antiga para o cinema, só nós dois.
Não me lembrava disso até ontem.

Ele também era pescador;
quando eu era pequeno.
Eu gostava muito do meu avô.
Ele cantava igual ao Orlando Silva;
quando eu era pequeño.

Eu estou relendo o Velho e o Mar.
O meu avô me levava para pescar;
quando eu era pequeno.
Mas eu gostava mais de ouvir ele cantar "Número Um".
Eu sei cantar "Número Um" até hoje.

O meu avô teve muitos cachorros caçadores.
Eu ia caçar com ele e os cachorros;
qundo eu era pequeno.
Mas eu gostava mais de ouvir ele cantar "Número Um".

Eu estou ouvindo muitos boleros;
relendo o livro do pescador que também era caçador;
que se passa em Cuba;
onde gostam muito de boleros.

Meu pai dança muito bem boleros;
desde quando eu era pequeño.
Meu avô já morreu;
como os boleros.

Eu estou sentindo muitas saudades do meu avô.
E ouvindo muitos boleros.

obsessão