terça-feira, 24 de março de 2009

Carnovsky

Para quem gosta de Nathan Zuckerman e afins tanto quanto eu:

domingo, 15 de março de 2009

apê dos sonhos



Loft equipado com microfones revela parte da história do jazz

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Uma visão íntima do processo criativo de um lendário compositor
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Por NATE CHINEN

Há caixas de papelão por todo o loft em Manhattan onde W. Eugene Smith, renomado fotojornalista americano, dividiu residência com Hall Overton, um obscuro compositor e pianista. Dentro das caixas estão perucas, do estoque de uma firma chinesa que hoje é a locatária. Nada neste prédio revela sua história de décadas como um fervilhante centro do jazz a partir de meados da década de 1950.
Por isso é preciso algum esforço para imaginar Thelonious Monk, um dos maiores compositores de jazz, andando por estes assoalhos no início de 1959 e preparando-se para a estreia de seu grande grupo no Town Hall, que ajudaria a abrir caminho para uma carreira além das casas noturnas. É preciso ter imaginação para colocá-lo, junto com Overton, em uma dupla de pianos de armário escrevendo acordes para suas canções. Mas essas coisas realmente aconteceram; é o que sabemos graças a um extraordinário acervo de gravações em fitas feitas por Smith, que tinha equipado a maior parte do prédio com microfones.
As fitas de Monk e Overton representam apenas uma parte das cerca de 3.000 horas de material reunidos por Smith de 1957 a 1965. Devido à luz que elas projetam sobre os dois músicos, seu valor é inestimável. Monk, famoso por seu silêncio críptico e métodos elegantes, surge como um gênio excêntrico, lúcido e até volúvel, mas também diligente. Overton, recrutado para orquestrar as difíceis composições de Monk, é revelado como um escriba paciente e um parceiro brilhante.
"O que fica óbvio é o respeito mútuo entre eles e a extensão de sua precisão", disse o pianista Jason Moran, 34.
A história maior do loft foi um projeto imersivo para pesquisadores da Universidade Duke da Carolina do Norte. Sam Stephenson dirige a iniciativa. Seu livro sobre o assunto, "Rhythm of a Corner: W. Eugene Smith and a New York Jazz Loft, 1957-1965" [Ritmo de um canto: W. Eugene Smith e um loft de jazz em Nova York], será publicado pela editora Knopf no segundo semestre.
Smith mudou-se para o loft em 1957, deixando para trás uma família em Manchester, no Reino Unido, e um emprego na revista "Life". Ele se concentrou no loft e na rua lá fora, fazendo 20 mil fotos enquanto espiava de uma janela no quarto andar.
Ao mesmo tempo, Smith registrou horas de ruído aleatório, programas de rádio, as idas e vindas no lugar. Mas como seus moradores incluíam Overton, o pianista Dick Cary e o pintor David X. Young, ele também captou um corte diagonal da cultura do jazz em uma época dinâmica. Monk e Overton aparecem juntos nas fitas nas semanas que antecederam o concerto no Town Hall, que ocorreu em 28 de fevereiro de 1959. Depois de uma dissecação especialmente difícil de uma melodia chamada "Thelonious", pode-se escutar Monk afastando-se do piano, perdendo o interesse ou a energia. "O que você tem aí já está bom", ele diz.
"Quero checar todos os sons com você. E também que instrumentos você quer ouvir em certos lugares, entende?", responde Overton, depois de uma pausa.
Ouvir a gravação original de "Little Rootie Tootie" provocou pelo menos uma decisão importante. "Deixe a banda tocar isso", diz Monk. O trecho de orquestração resultante é o floreio mais elaborado do concerto.
O esforço valeu: a apresentação foi um sucesso musical. "Pela primeira vez Monk foi realmente reconhecido em um ambiente fora de uma boate", diz o historiador do jazz Dan Morgenstern, que estava lá.
Os toques de reinvenção estão de acordo com o espírito da música, como ilustram as fitas. "Não precisamos fazer igual à gravação", diz Overton enquanto toca "Little Rootie Tootie".
Monk responde rápido: "Ah, não, é claro que não. Podemos ouvir alguma outra coisa que soe melhor".

sexta-feira, 13 de março de 2009

quem sabe um coração



Ah, os anos 80... Novela da Globo tinha tema de abertura assinado pelo Paulo Leminski.

Por falar em poesia na música, o Caderno 2 de hoje traz o assunto em sua capa. Além de "Promessas Demais" (letra abaixo), o poeta, entre outras, fez "Mudança de Estação", sucesso com A Cor do Som.

Promessas Demais

Quem sabe um coração me dirá
Dirá se cabe ou não no mesmo lugar
Quem sabe um coração me dirá
Dirá se cabe ou não no mesmo lugar
Quem sabe um coração...

Não precisava não acenar
Não precisava não promessas demais
Não precisava não acenar
Muita felicidade é um rio que vai
O rio que vai, o rio que vai me levar
Não passa na sua cidade
O paraíso, o paraíso começa
É só começar um sorriso

Quem sabe um coração me dirá
Dirá se cabe ou não no mesmo lugar
Quem sabe um coração me dirá
Dirá se cabe ou não no mesmo lugar

Num lugar comum
Onde nós dois somos um
Um que não tenha amizade
Para nenhum, para nenhum não tem jeito
Algum que não bata no peito

Pa ra ra...

quinta-feira, 5 de março de 2009

minha alegria é triste

Eu praticamente havia me esquecido de como é chato levantar vôo pela manhã, o gosto azedo da noite mal dormida ainda na boca, o corpo doído, a triste perspectiva de que as horas no avião serão apenas o começo de um longo e cansativo dia de trabalho. Todo esse mau humor em contraste com os sorrisos pré-pagos das comissárias e comissários. É claro,tudo pode mudar se você estiver embarcando para tomar mojitos em alguma praia do Caribe, mas não era esse o meu caso.

Airbus A-319 lotado; portas em automático; atenção tripulação, decolagem autorizada; e eu folheio uma dessas revistas distribuídas gratuitamente pelas aéreas. Mórbida coincidência, ela trazia breves perfis de dois suicidas: Hugo Bidet (1934-1977)e Assis Valente (1911-1958). Não deixa de ser engraçado, cento e poucas pessoas espremidas sobre um enorme tanque de gasolina desafiando a lei da gravidade, pensando em permanecer vivas, enquanto o editor da publicação em questão nos brinda, nos distraí, digamos assim, com a história daqueles que por conta própria abriram mão do direito de continuar respirando.

Depressões deixadas de lado, passei o vôo anotando as canções que conheço de Assis Valente. Conhecer nesse caso significa pelo menos cantarolar um refrão. "Fez Bobagem", "E o Mundo não se Acabou", "Brasil Pandeiro", "Boneca de Pano", "Boas Festas", "Camisa Listrada" e "Alegria" _as duas últimas as músicas alegres mais tristes de toda a história!

"Camisa" é carregada daquela euforia que costuma acometer os desesperados, talvez a mesma que tenha acompanhado Bidet ao longo de sua vida na Banda de Ipanema. Para quem não conhece ou não se lembra, é aquele samba do sujeito que despiroca em um Carnaval. Nunca li a biografia de Assis Valente, conheço algumas histórias colhidas em mesas de bar, programas de televisão, jornais e revistas. Há vários relatos de que ele era gay e não convivia bem com a sociedade da época. O samba soa como expressão de sua angústia, não no que diz respeito à brincadeira de se travestir de mulher, óbvia demais para o compositor. Mas há algo de revelador e simbólico no verso "tirou o seu anel de doutor para não dar o que falar":

Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí
Em vez de tomar chá com torrada ele bebeu parati
Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão
E sorria quando o povo dizia: sossega leão, sossega leão

Tirou o anel de doutor para não dar o que falar
E saiu dizendo eu quero mamar
Mamãe eu quero mamar, mamãe eu quero mamar

Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão
E sorria quando o povo dizia: sossega leão, sossega leão
Levou meu saco de água quente pra fazer chupeta
Rompeu minha cortina de veludo pra fazer uma saia
Abriu o guarda-roupa e arrancou minha combinação
E até do cabo de vassoura ele fez um estandarte
Para seu cordão

Agora a batucada já vai começando não deixo e não consinto
O meu querido debochar de mim
Porque ele pega as minhas coisas vai dar o que falar
Se fantasia de Antonieta e vai dançar no Bola Preta
Até o sol raiar


O mesmo traço melancólico/expansivo também aparece em "E o Mundo não se Acabou", um pouco mais divertido e que também poderia ser chamado de melô da ressaca moral:



Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar
Por causa disso a minha gente lá de casa começou a rezar
E até disseram que o sol ia nascer antes da madrugada
Por causa disso nessa noite lá no morro não se fez batucada
Acreditei nessa conversa mole
Pensei que o mundo ia se acabar
E fui tratando de me despedir
E sem demora fui tratando de aproveitar
Beijei na boca de quem não devia
Peguei na mão de quem não conhecia
Dancei um samba em traje de maiô
E o tal do mundo não se acabou
Chamei um gajo com quem não me dava
E perdoei a sua ingratidão
E festejando o acontecimento
Gastei com ele mais de quinhentão
Agora eu soube que o gajo anda
Dizendo coisa que não se passou
Vai ter barulho e vai ter confusão
Porque o mundo não se acabou


Certamente, são dois sambas com lugar cativo nas boas listas do gênero, um gravado por Aracy e outro por Carmem Miranda, a grande intérprete de Assis Valente, conforme a maioria dos críticos afirma.

Nenhum deles, no entanto, se compara a "Alegria" (parceria com Durval Maia, 1937), na interpretação de Orlando Silva. A voz do maior cantor brasileiro sublinha o que há de mais secreto nesse samba: a tristeza disfarçada de alegria.

"Vou cantando fingindo alegria para a humanidade não me ver chorar" diz muito também sobre Orlando Silva. Revisitado, o verso poderia ser o "Reconhecer o valor necessário do ato hipócrita" de Caetano Veloso.

Se Jackson do Pandeiro quis juntar chiclete como banana, Assis Valente é o poeta do samba que misturou _e infelizmente tomou_ guaraná com formicida.


Alegria
Pra cantar a madrugada
As morenas vão sambar
Quem samba tem alegria

Minha gente
Era triste amargurada
Inventou a batucada
Pra deixar de padecer

Salve o prazer
Salve o prazer

Da tristeza não quero saber
A tristeza me faz padecer
Vou deixar a cruel nostalgia
Vou fazer batucada de noite e de dia

Esperando a felicidade
Para ver se eu vou melhorar
Vou cantando, fingindo alegria
Para a humanidade
Não me ver chorar

Alegria
Pra cantar a batucada
As morenas vão cantar
Tem samba tem alegria

Minha gente
Era triste amargurada
Inventou a batucada
Pra deixar de padecer

Salve o prazer
Salve o prazer



ps: é uma pena, mas não há no youtube um vídeo de alegria, que foi gravada por Vanessa da Mata recentemente. Na Rádio UOL dá pra ouvir: http://app.uol.com.br/radiouol/linklista.php?playlist=Orlando_Silva#

quarta-feira, 4 de março de 2009

fossa abissal

Buraco profundo
Açude de saudade
Charco sujo de mágoa

Na mansidão desta água
O bagre da melancolia
Lambe o lodo pesado dos dias

aeroporto 2009

Sob o céu de Brasília
ouço só a sinfonia
ansiosa das máquinas

domingo, 1 de março de 2009

poor lonesome cowboy



Crítica/DVD/"Live from New York City"

Marsalis e Willie Nelson se divertem com os clássicos
CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Até mesmo os fãs do trompetista Wynton Marsalis ou do cantor Willie Nelson torceram seus narizes, em 2008, ao saber do lançamento do disco que os dois gravaram juntos. À primeira vista, a inusitada parceria do erudito embaixador do jazz com o medalhão do country soava como outro daqueles projetos caça-níqueis do mercado musical.
Mas o CD "Two Men With the Blues" (Blue Note/EMI) provou que não se tratava de armação. O projeto de gravação nasceu após um encontro casual do jazzista com o cantor, em 2003, num show que reuniu astros no lendário Apollo Theater, em Nova York. Os dois aguardaram as condições ideais para o reencontro, que só ocorreu em 2007.
Das gravações realizadas em dois concertos, resultaram as 11 faixas incluídas no álbum, assim como o material que originou o DVD "Live From New York City" (Eagle Vision/ ST2), que acaba de sair no Brasil.

Blues clássicos
Ao lado de um quinteto de músicos emprestados das bandas de ambos, Marsalis e Nelson se divertem interpretando clássicos blues ("Ain't Nobody's Business", "Night Life", "Rainy Day Blues") e alguns standards da canção norte-americana, como "Georgia on My Mind". O que mais poderiam escolher para que ambos se sentissem em casa?
Além de captar a relaxada atmosfera desse encontro, o DVD inclui três faixas que não aparecem no CD: o gospel "Down By the Riverside" e as jazzísticas "Don't Get Around Much Anymore" (Ellington e Russel) e "Sweet Georgia Brown" (Bernie e Pinkard). O filme traz também depoimentos de Marsalis e Nelson, que lembram como os dois se conheceram e refletem sobre as suas identidades musicais.
"Os rótulos foram inventados para vender a música. Você tinha que dar um nome a ela antes para poder vendê-la. Mas alguns gêneros musicais englobam tudo, e é isso que eu gosto de tocar", diz Nelson.

Briga de botequim
Reveladores também são os sorrisos que Marsalis troca com os músicos da banda, ao ouvir as notas insólitas extraídas por Willie Nelson de seu maltratado violão, que parece recém-saído de uma briga de botequim. "Ele é completamente imprevisível nos improvisos", comenta o jazzista, elogiando a originalidade de seu parceiro.
Pena que em vez de se concentrar mais na expressão dos músicos, o diretor Danny Clinch opte com frequência por inserir imagens noturnas da cidade de Nova York, como num documentário turístico. A edição nervosa, que parece querer transformar o registro do concerto em uma espécie de videoclipe, também incomoda, em alguns momentos. Ainda assim, a música descontraída de Marsalis e Nelson consegue escapar ilesa do exibicionismo do diretor.



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LIVE FROM NEW YORK CITY
Artistas: Willie Nelson e Wynton Marsalis
Lançamento: Eagle Vision/ST2
Quanto: R$ 36, em média
Classificação: livre
Avaliação: bom