terça-feira, 26 de maio de 2009

viagens a lilliput


São uns nove, sei lá, talvez dez, não sei. Há pouco, um deu um pulo que nem o de um gato e grudunhou meu cabelo. Outro veio e pregou na minha perna, não larga nem quando eu a chacoalho com toda a força. De modo que esses dois acabei até aceitando como se fossem parte de mim, apêndices desconfortáveis e avessos à fagocitose, porém que a gente carrega entre muxoxos e dores lombares, bolsas de água quente e chá para os nervos. Se não querem largar, que fiquem. Os outros não. O menorzinho, por exemplo, estava aplicado em me dar cabeçadas no saco, ficava pulando e cabeceando meu saco. O do sapatinho azul (acho que esse é um dos raros detalhes de que me lembro bem) recuava coisa de dez, doze passinhos dele (uns quatro de gente graúda) e vinha, vinha: tum! de encontro ao meu peito com os dois pezinhos em riste. Nos tendões de Aquiles eu sentia ardidas e intermitentes bicudinhas. Devia ser um trabalhando em cada calcanhar, só ali, martelando, água mole em pedra dura bicando sem parar. O resto do cálculo eu baseio na enorme quantidade de mordidas na bunda, beliscões nas coxas e pancadinhas na linha de cintura que eu tomei. Ah, e tinha um que assistia tudo soltando um gritos feios, relembrando os piores episódios da minha vida, tipo assim: eu tento me concentrar para esquecer o que fazem comigo, e ele narra os momentos mais repugnantes da minha existência até ali. Então eu reuni forças advindas da culpa, do ódio e do ressentimento e lutei, como eu lutei! Rodei, rodei, balancei minhas pernas, chutei o ar, peguei com as mãos as goelinhas deles e esganei, urrei, corri e até me debati contra uma parede, só para ver se esmagava algum sacaninha. Os que não foram atirados longe tiveram de se soltar (menos aqueles dois que eu falei no início, o da cabeça e o da perna esquerda, esse então, agora parece cachorro tarado em perna de mulher velha). O fato é que ganhei alguns minutos de alívio e vejo que os pequeninos estão voltando com carinha de choro, de cachorrinho pidão, de arrependimento, me fazendo esses elogios, anunciando carinhos, olha aí... Tô em dúvida... Será que exagerei na dose? Não, são todos uns falsos, irôniquinhos, estão é dando risadinhas da minha cara, só esperando para recomeçar a luta, a sessão de maldades, repletas de tapinhas nas costas, ataques rasteirinhos e chutinhos no saco. Não falei? Já tentam me derrubar de novo esses filhinhos-da-puta pervertidos! Mas eu sou muito maior que tudo isso.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

rastros

tua marca em mim
assim gravada

a pata

como do cão
para sempre

a pata

fortuita, fresca
desavisada

a pata

no cimento
da calçada


(rua vargem do cedro, sumaré, são paulo, voltando do bar do celso)

domingo, 17 de maio de 2009

vôo 1829

dor de estômago dor de âmago dor de amargo da dor da ansiedade do ócio da ociosidade do ansioso da ansiosidade de ânsia do ansioso pelo ócio da qualidade de ansiar o nada de dentro do osso que não sossega nem no ócio porque é ansioso até o osso e nas asas do avião do tempo que não voa junto na vala entre o céu e a terra e o pensamento que não ajuda a girar o ponteiro no rumo do ralo do tempo do nervo doendo no osso e na vala que faz vomitar as palavras por causa da ânsia no âmago do ócio da boca do estômago da boca amarga e fechada vomitando com as mãos as palavras palavras palavras as palavras na mão

sexta-feira, 8 de maio de 2009

meia-noite



Ainda é céu de ontem
mas lua e estrela
já gritam teu nome

quarta-feira, 6 de maio de 2009

justiça seja feita



voa
salva
captura
evita o rapto
impede a explosão

rápido

impeça a explosão
evite o rapto
capture
salve
voe

Mas no final grite:
Eu sou Clark Kent, porra!

terça-feira, 5 de maio de 2009

saxofone colosso

Dia 1º de dezembro de 1978, a notícia do saxofonista encontrado morto num quarto de hotel estava nos principais jornais de São Paulo. Ele era Casé, um mito no meio musical. Inovador, dono de talento extraordinário e técnica irretocável, tornou-se referência para críticos e grandes instrumentistas do Brasil e do exterior. Não quis fama nem fortuna nos 46 anos de vida. Deixou poucas gravações.Leia aqui, no ensaio biográfico de Fernando Lichti Barros (e ouça também).