segunda-feira, 24 de agosto de 2009

óbvio como um rei



"Chovia lá fora, e a capa pendurada, assistia tudo, não dizia nada"

Finalmente, o Rei e eu nos encontramos. Foi sábado à noite, em São Paulo, o show em homenagem aos 50 anos de carreira dele. Em duas horas, vi boa parte da minha vida desfilar no palco do ginásio do Ibirapuera embalada pelas canções de RC.
Por sorte, encontrei na internet o melhor set da noite, gravado na chuvosa apresentação do Maracanã.

O texto da Ilustrada de hoje:


Rei agrada fãs com show de sempre
Primeira apresentação de Roberto Carlos no ginásio do Ibirapuera, na sexta, serve de roteiro para as próximas sete


MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Se Roberto Carlos é mesmo -ao menos foi isso que o Brasil aprendeu a repetir- o homem que permanece há anos estancado no mesmo lugar, fazendo o mesmíssimo show, sua apresentação de estreia no ginásio do Ibirapuera, na última sexta-feira, pode servir de gabarito para qualquer outra das sete que ainda estão por vir nesta temporada paulistana (até 3/9).
Com atraso de 21 minutos, os músicos começam a se acomodar no palco. As luzes permanecem acesas, mas a plateia já esboça o alvoroço.
O escuro só chega três minutos depois. Às 21h26, o maestro Eduardo Lages dá o primeiro acorde do arranjo instrumental de "Como É Grande o Meu Amor por Você". Uma voz de radialista -a mesma há décadas- sai dos alto-falantes às 21h31: "Senhoras e senhores, com vocês, Roberto Carlos".
Lá vem o Rei. Ele entra devagar, com seu sorriso triste de sempre, se coloca na frente do microfone e, às 21h32, dá um suspiro forte. Pausa dramática. "Quando eu estou aqui..."
Aplaude seus músicos às 21h34 e, um minuto depois, diz a frase que as fãs já esperam: "Que prazer rever vocês". Segue o discurso, demorando a dizer cada palavra, como se não as estivesse lendo no monitor a seus pés. "Meu negócio não é falar, não. Posso dizer melhor cantando."
E corre milimetricamente o roteiro. "Eu Te Amo, Te Amo, Te Amo" (ainda às 21h35), "Além do Horizonte" (21h42), "Amor Perfeito" (21h46). Pega o violão às 21h52 para dedilhar "Detalhes".
Os gritos da plateia são mais fortes quando, às 21h59, surgem os primeiros versos de "Outra Vez". É isso o que todos querem de Roberto. Ouvir tudo outra vez.
Um apanhado de canções dedicadas a seus pais vem na sequência, às 22h06. "Aquela Casa Simples", "Meu Querido, Meu Velho, Meu Amigo", "Lady Laura". E "Nossa Senhora", às 22h13, para aquela que considera sua outra mãe.

Temas de motel
O clima reverente/religioso é cortado a navalhadas às 22h19, pela sexual "Mulher Pequena". Entram, na sequência, "Caminhoneiro" (22h24), "Do Fundo do Coração" (22h30) e sua melhor lavra de temas de motel: "Proposta" (22h37), "Seu Corpo" (22h39), "Os Seus Botões" (22h41), "Café da Manhã" (22h43) e "Cavalgada" (22h47).
São 22h54 quando Roberto apresenta sua banda, a RC9. Demora quatro minutos para isso. "Há trinta e tantos anos vejo essa mesma cena", ele admite. E volta a cantar, puxando, às 22h58, um pout-pourri com canções da Jovem Guarda.
"É Preciso Saber Viver", às 23h08, é o código para as fãs: o show está acabando, podemos ficar em pé. Em seguida virá "Jesus Cristo".
Os relógios marcam 23h15 quando Roberto abre os braços e agradece pela última vez. Chega o momento de atirar as rosas às moças. São 132 vermelhas e 36 brancas. Antes de lançá-las, leva cada uma delas na direção dos lábios, esboçando um beijo que nunca é dado. Isso vai lhe custar oito minutos.
São 23h24 quando o Rei sai do palco. A banda toca por mais um minuto e o segue sem pressa, até que o cenário fique completamente vazio, às 23h25. Ainda dá tempo de ouvir a frase de alguma fã que acompanha Roberto há muitos desses 50 anos: "Nunca vi um show como este". Outro assim, só amanhã.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

daktari



Vejo no site da Veja.

Leões: risco de extinção
No Quênia, 100 leões, em média, morreram a cada ano desde 2002, informou na segunda-feira o Serviço Queniano da Vida Selvagem (KWS), advertindo que esses felinos podem entrar em extinção dentro de duas décadas se nada for feito.


Tenho vontade de escrever uma crônica, mas me lembro que esse gênero também está ameaçado desde que Rubem Braga morreu e, segundo os mais recentes estudos, deverá desaparecer muito brevemente, substituído pelos poucos toques do Twitter. Adeus orações elaboradas. Um dia ainda visitaremos no zoo os parágrafos de Faulkner.

Penso de novo nos leões, na iminência do sumiço dos leões. Não consigo acreditar, não posso imaginar um reino sem rei e tenho vontade de fazer um poema, mas a crueldade do dia, a violência dos relógios, os números da minha conta bancária, me impedem, me proíbem de ser tão retrógrado, fora de moda e romântico. Que morram os leões, eu faço coro com os práticos, os desenvolvimentistas, os comunistas e os cientistas.

Mas logo me arrependo. Começo a me lembrar do Clarence, sim, Clarence, O Leão Vesgo da minha infância, da TV em branco-e-preto, da nossa casa, de minha mãe assando um bolo, do menino rindo de um rei dos animais de óculos, havia um rei naquela época. Lembro-me de novo dos homens antigos, dos parágrafos de Faulkner, das TVs retrógradas em branco-e-preto, dos índios cruéis, dos mocinhos honestos, românticos e sensíveis.

Lembro-me dos homens em extinção, de sua escrita dura e cruel gritando nas entrelinhas "me ame, porra", e sinto uma incrível saudade do seu reino.

(para os amigos xico sá, marcelo coppola, edgard alves, joão gabriel de lima, tadeu e joca terron; para não dizer que toda a esperança está perdida, no final de semana tenho encontro marcado com "o rei" Roberto Carlos)

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

fabricio

Neste ano, muito me desocupei das coisas supostamente grandes do dia-a-dia. Fiquei fascinado pela enormidade da vida pequena, e fui encontrá-la tão bem retratada em três textos gigantes: "A Morte de Ivan Ilicht" (Tolstoi), "Memórias Póstumas de Brás Cubas" (Machado de Assis) e "Homem Comum" (Philiph Roth).
Quis o destino que a tragédia humana _e masculina (glórias, decepções, alegrias, veleidades, culpa e, por fim, a inexorável morte)_ tão bem retratada nesses livros se aproximasse ainda mais de mim nos últimos dias.
E que eu encontrasse _fuçando o nome do amigo que se foi na internet em busca de prestar-lhe uma singela homenagem_ o texto que segue abaixo, com o título quase místico e tão simples de "Primeiras Letras". Ele daria início a um blog (em 17 de janeiro deste ano) que, infelizmente, não prosseguiu. Uma pena.
Mas foi suficiente para deixar uma marca, um brilho, um pouco da trajetória de um homem grande e especial. A história do amigo não guarda semelhança com a do juiz de instrução russo, com a do nosso Brás ("aos 40 anos, não era ministro, não tinha filhos, não era nada") ou com a do publicitário de Roth. Mas traz nela nossa aflição contra o inexplicável da morte e a fugacidade da vida.
No texto, meu amigo chega a dizer que "escrever é para os profissionais". Não é. Escrever é para quem não se conforma.
Ontem, Fabricio se foi. Deixou saudades, amigos, filhos, exemplos e o testemunho que reproduzo aqui como minha despedida simbólica e perpetuação de sua ausência.
Viveu bem sua grande vida de homem comum.

Primeiras Letras
Enfim decido por um Blog. Nunca sei a pronúncia correta, se falo o "B" separado do log, ou "bilogui". Ou se tudo junto, Blog.
De todas as formas me rendi a essa história de Blog.
Nem sei se tenho muito que expressar, mas ultimamente estive pensado muito, durante as noites de insônia ou no banho, sobre coisas várias.
É interessante este mundo de exposição, todo mundo querendo se “celebrizar”. Eu de minha parte, desejo apenas ser rico (coisa que ainda não consegui) e desconhecido, porque nada pior que ser pobre e famoso.
Desejo pensar alto sobre as mais diferentes coisas, desde comportamento, religião, finanças, musica, cinema e economia até política, futebol, turismo, Tv por assinatura, filhos e cerveja.
Como bom desconhecido, me apresento.
Homem na faixa dos 30 para os 40, formado em economia pela Universidade de São Paulo, com pós em administração pelo INPG, trabalho com comércio exterior. Viajo pelo mundo e nessa viagens uso o inglês, o espanhol, o português e o italiano, nem sempre de forma correta, mas seguramente se fazendo entender.
Um casal de filhos pequenos, uma esposa maravilhosa que me suporta, não no sentido abrasileirado da palavra, mas anglo-saxão.
Enfim, um homem comum, de classe média a mais média possível.
Escrevo eventualmente no principal jornal de meu município, A Comarca. Vivo em Matão, uma próspera cidade (pelo menos até a mais recente crise financeira mundial) do interior de São Paulo, com cerca de 80 mil habitantes.
Espero encontrar olhos e ouvidos aqui, pessoas que se interessem por pensamentos muitas vezes curiosos, mas minimamente formulados.
Escrever sobre coisa alguma é coisa para profissionais, portanto os deixo aqui.
Sejam todos bem vindos.



Segue o link do Bico.

(era para ser lido ao som de "Peter Gast", do Caetano, mas não encontrei no Youtube).

terça-feira, 11 de agosto de 2009

desesperança

Esta manhã tem a tristeza de um crepúsculo.
Como dói um pesar em cada pensamento!
Ah, que penosa lassidão em cada músculo...

O silêncio é tão largo, é tão longo, é tão lento
Que dá medo... O ar, parado, incomoda, angustia...
Dir-se-ia que anda no ar um mau pressentimento.

Assim deverá ser a natureza um dia,
Quando a vida acabar e, astro apagado, a Terra
Rodar sobre si mesma estéril e vazia.

O demônio sutil das nevroses enterra
A sua agulha de aço em meu crânio doído.
Ouço a morte chamar-me e esse apelo me aterra...

Minha respiração se faz como um gemido.
Já não entendo a vida, e se mais a aprofundo,
Mais a descompreendo e não lhe acho sentido.

Por onde alongue o meu olhar moribundo,
Tudo a meus olhos toma um doloroso aspecto:
E erro assim repelido e estrangeiro no mundo.

Vejo nele a feição fria de um desafeto.
Temo a monotonia e apreendo a mudança.
Sinto que minha vida é sem fim, sem objeto...

_Ah, como dói viver quando falta a esperança!


Manuel Bandeira, Teresópolis, 1912

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

romaria

peço uma prece
contra essa praga
de ter prego pregado na fala

uma novena na sala
contra essa aliteração
na garganta encravada

terça-feira, 4 de agosto de 2009

moby dick



o homem atrás de sua obsessão
o ventilador a girar no teto
soprando a voz de seus fantasmas
a espera
a espera
todos nós atrás de nossos coronéis kurt
os segredos entocados nas matas
ah, como é insana a espera

o homem com o coração jogado no mar
a proa no horizonte a rodar
bebendo no vento a voz dos fantasmas
a busca
a busca
todos nós atrás de um monstro particular
os mistérios submersos nas águas
ah, como é insana a busca

todos nós
insanos
todos

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

agosto

Nessas tardes molhadas de agosto
Sinto a chuva lavando minha alma
Sinto o frio entrando pelos ossos
Como uma coisa um troço
Não sei explicar

Nessas tardes molhadas de agosto
Sinto a chuva lavando minha alma
Sinto o frio entrando pelos ossos
Como uma coisa um troço
Não sei explicar

Lavei as mágoas nos pingos da chuva
E aquela velha dúvida de te encontrar
Tô molhado como um passarinho
Perdi o ninho já nem sei voar
Eu tô molhado
Pingando chovendo
Chovendo pingando
Pingando tão só
Tô molhado
Chovendo doendo
Doendo sangrando
Sangrando de fazer dó
Tô chuviscando estou chovendo
Estou sofrendo de fazer dó
Chuviscando estou chovendo
Estou sofrendo tô causando dó

Mês de agosto é mês de chuva
Mês de agosto lava a alma
Mês de agosto é mês de chuva
Mês de agosto é mês de chuva
Mês de agosto lava a alma
A mágoa a mágoa

(canção "Lava Mágoas", de Alceu Valença, do disco "Cavalo de Pau", que comprei lá pelos idos de mil novecentos e oitenta e sempre)