quinta-feira, 30 de abril de 2009

este pesadelo absurdo

Bósnio transmite estranheza em obra de linguagem palpitante

Aleksandar Hemon, que vive nos EUA, trata da sensação de não pertencimento em romance

JOCA REINERS TERRON

ESPECIAL PARA A FOLHA

Dentre as muitas tradições literárias e os possíveis recortes canônicos, existe aquele exíguo clube dos autores emigrados, que por um motivo ou outro passaram a escrever numa língua que não era a sua. Os mais célebres são o polonês Joseph Conrad e o russo Vladimir Nabokov, exilados de séculos e guerras já extintas, mas há ainda aqueles que escaparam de infernos contemporâneos, como o bósnio Aleksandar Hemon (1964), autor de "As Fantasias de Pronek".
Bem recebido em sua estreia com "E o Bruno?" (1999), Hemon adotou o inglês na marra, após viajar aos EUA em 1992 para um seminário de jornalistas. Quando estava prestes a retornar, a guerra civil eclodiu na Iugoslávia, forçando-o a trocar Sarajevo por Chicago. Vítima de congelamento numa zona de espaço-tempo que não a sua, o bósnio tem alimentado sua prosa dessa condição de não pertencimento, além de promover razoável "aquecimento" da língua de adoção, cujo frescor de abordagem é sempre comparado ao de Nabokov.
"As Fantasias de Pronek" (2002), que sai agora por aqui, é impulsionado pela linguagem palpitante que não economiza estranheza e pela qual cortinas venezianas tagarelam, sossegam e calam, torneiras contam pingos com rigor e máquinas e objetos são atribuídos de vida. Certo parentesco com o uruguaio Felisberto Hernández (contemporâneo de Borges e influenciador de Cortázar) parece inusitado, mas existe: como em Hernández, as histórias de Hemon para seu alter ego Josef Pronek são impregnadas de esquisitices que podem ser diagnosticadas como uma visão de mundo poética, como assinala Jonathan Safran Foer na capa do volume. Haverá, afinal, mais em comum entre a província cisplatina e os Bálcãs do que se pode suspeitar?

Conto
A origem de Pronek está num conto de "E o Bruno?", "O Cego Josef Pronek & as Almas do Além". Assim como o autor, o personagem é um nativo de Sarajevo cujas agruras são relembradas por outro bósnio, um professor de línguas que o encontra numa escola de Chicago onde busca emprego.
Pleno em deslocamentos temporais e geográficos, ao longo do livro a infância de Pronek é recordada pelo amigo, e o reencontramos em várias etapas de sua vida atribulada, sempre sob a ótica de pessoas que com ele conviveram: são pelos olhos de Victor, por exemplo, um americano de origem ucraniana, que vemos as desventuras de Pronek em Kiev, terra natal de seu pai. Lá, ele se encontra com George Bush às vésperas da extinção da URSS.
Prisioneiro do tempo e com livre passaporte para deslocamentos por diversos países (até na China vai parar), Josef Pronek, assim como um Forest Gump hilário e alucinado, é prisioneiro da história, esse pesadelo absurdo do qual ninguém consegue escapar.

JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de "Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da Palavra).




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AS FANTASIAS DE PRONEK

Autor: Aleksandar Hemon
Tradução: Roberto Grey
Editora: Rocco
Quanto: R$ 32,50 (232 págs.)
Avaliação: bom

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