sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

fé cega, faca amolada



Frase citada pelo José Geraldo Couto e contada a mim pelo Fábio Victor:

"Desarmados, mas com um canivete na meia".

É como eu desejo a todos que adentrem 2010.

sábado, 12 de dezembro de 2009

dentro de mim

Há uma árvore de Natal muito bonita na entrada do meu condomínio

e dentro de mim a fúria
e dentro de mim o amor

As fileiras de luzes amarradas nas árvores da avenida são azuis

e dentro de mim a fúria
e dentro de mim o amor

O dono do bar pendurou um Papai Noel de paraquedas no teto

e dentro de mim a fúria
e dentro de mim o amor

As crianças correm entre os enfeites da área de lazer gritando palavrões

e dentro de mim a fúria
e dentro de mim o amor

Chove muito em São Paulo neste final de ano e eu não tenho guarda-chuvas

e dentro de mim a fúria
e dentro de mim o amor

O campeonato de futebol acabou

e dentro de mim a fúria
e dentro de mim o amor

É precisa lembrar de deixar o dinheiro da caixinha na portaria

e dentro de mim a fúria
e dentro de mim o amor

Há promoções em todos os lugares, descontos, parcelamentos

e dentro de mim a fúaria
e dentro de mim o amor

A chuva traz um cheiro de terra que lembra minha infância

e dentro de mim a fúria
e dentro de mim o amor

As passagens para a cidade dos pais estão compradas

e dentro de mim a fúria
e dentro de mim o amor

Mais um ano que chega ao fim

e dentro de mim a fúria
e dentro de mim, o amor

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

segunda divisão

nesta tarde de domingo
quando se vai ficando
ouvindo os gols
ao sul deste país

aqui, nesta tarde
quando quase dormindo
sob um céu de gols
ouço o azul do brasil

esqueço a bola na trave
ansiedade que se esfacela
vida que segue o jogo
presente em zero a zero


(o esboço deste poema foi feito em uma tarde de 1998 em Ribeirão Preto, ouvindo Comercial x Botafogo no radinho)

terça-feira, 3 de novembro de 2009

mais leminski




“Que Viva Leminski!” aborda a obra do

poeta curitibano no SESC Consolação



No ano em que se completa 20 anos da morte de Paulo Leminski, uma edição do Projeto “Outros Contextos” apresenta vida e obra do poeta por meio de mesa de discussão, apresentação musical, leitura de poemas e ambientação, com consultoria de Ademir Assunção e direção de arte de Miguel Paladino. Participações de Boris Schnaiderman, Jerusa Pires Ferreira, José Miguel Wisnik, Neuza Pinheiro, Alice Ruiz, Mario Bortolotto e Áurea Leminski.
O projeto Outros Contextos, do SESC Consolação, em novembro faz uma homenagem ao poeta curitibano Paulo Leminski. Iniciado pela unidade em agosto, Outros Contextos tem como objetivo incentivar a leitura de obras de importantes autores da literatura brasileira e universal.
Neste mês, Que Viva Leminski! apresenta a vida e a obra de Paulo Leminski por meio de mesa de discussão, apresentação musical, leitura de poemas e ambientação, com consultoria de Ademir Assunção e direção de arte de Miguel Paladino.
Fãs e amigos de Leminski como Boris Schnaiderman, Jerusa Pires Ferreira, José Miguel Wisnik, Neuza Pinheiro, Alice Ruiz, Mario Bortolotto, Ademir Assunção e Áurea Leminski fazem parte da programação. Obras do poeta e CDs com músicas compostas por ele estarão à disposição do público para consulta no local. Textos e fotos de Leminski, em suas mais variadas facetas, serão plotados nas paredes, portas e elevadores, oferecendo ao público a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre ele.

OUTROS CONTEXTOS - QUE VIVA LEMINSKI!

De 5 de novembro a 19 de dezembro. Segunda a sexta, das 13h às 22h / Sábados, das 9h às 18h. Não recomendado para menores de 16 anos
Grátis.


Abertura
Dia 5/11. Quinta, às 20h.
Leminski em prosa, verso e música.
Mesa de discussão a partir da vida e da obra do poeta curitibano, com os professores Boris Schnaiderman, Jerusa Pires Ferreira e José Miguel Wisnik.
Mediação do poeta Ademir Assunção
Local: Sala Ômega – 8º andar. Lotação: 80 lugares.
Não recomendado para menores de 12 anos
Grátis.



Dia 7/11, sábado, às 20h
Distraídos Venceremos
Poemas de Leminski por Alice Ruiz, Mario Bortolotto, Ademir Assunção e Áurea Leminski.
Local: Espaço Beta – 3º andar.
Duração: 45 minutos
Grátis. Lotação: 60 lugares.



Dia 11/11. Quarta, às 19h30.
Profissão de Febre
A cantora Neuza Pinheiro, acompanhada do músico Ronaldo Gama, apresenta parcerias com com Leminski, entre elas "Para umas noites que andam fazendo", "Filho de Santa Maria", "Idéia Brilhante", "Puro Espírito", "Sina que me brisa" e "Alma rasa".
Local: Espaço de Leitura – 3º andar
Não recomendado para menores de 12 anos
Grátis.


Dias 13 e 27/11. Sextas, às 16h.
Uma palavra para Leminski
Narração do texto infanto-juvenil Guerra dentro da Gente, realizada pela contadora de histórias Kelly Orasi, do Núcleo Trecos e Cacarecos.
Duração 45 minutos.
Local: Espaço de Leituras.
Não recomendado para menores de 10 anos
Grátis.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

os ansiosos agradecem

Ao receber o Prêmio Bravo! ontem, Selton Mello agradeceu à psicanálise e ao Rivotril. Não ganhei nada, mas faço coro com ele.

sábado, 24 de outubro de 2009

romance pós-moderno

O herói sai.
Vive aventuras, volta vitorioso e nunca mais sente o vazio que o assombrava.

O herói fica.
Passa os dias convivendo com um vazio que não consegue preencher.

O herói medita.
Sabe que vive um vazio, mas não consegue compreendê-lo. Decide isolar-se e filosofar a respeito.

O herói se aliena.
Faz de tudo para não viver o vazio que sabe que sente. Pragmático, facilita a existência.

O herói sublima.
Vive as fantasias que cria para não precisar encarar sua realidade vazia.

O herói se deprime.
Bebe o dia todo para anestesiar a angústia que o vazio lhe traz. Quanto mais bebe, mais angustiado fica.

O herói é sádico.
Regorzija-se com o desespero de se saber condenado ao vazio.

O herói crê no futuro.
Intui que o vazio é algo passageiro e que em algum momento compreenderá o sentido de tudo.

O herói é um ingênuo.
Sempre diz que é preciso manter a esperança, que os problemas passam e que tudo ficará bem no final, até mesmo a sensação de vazio.

O herói flerta com a morbidez.
Vive repetindo que a morte é o único sentido da vida, vazia.

O herói é raso.
Gosta mesmo é de comer em frente à TV, ver sacanagem na internet, jogar videogame, gastar em roupas, frequentar lugares badalados e trepar com garotas de programa. Não há vazio na superfície.

O herói caminha pelas ruas vazias.
Fala sozinho, chora no escuro, escreve cartas de amor e diz aos amigos que gosta muito deles.

O herói decide deixar o povoado.
Faz as malas e parte em busca de algo que não sabe o que é, para que ao menos o vazio que o acompanha mude de lugar.

(para Cláudia e João Gabriel de Lima, um texto da Mariana sobre nossas reflexões a respeito do mito do "herói sai, herói vence, herói volta", do romance, de Machado e de Flaubert)

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

cruisin'




aquilo tudo foi mesmo incrível.
arremessávamos como Larry Bird:
a gente lá, só "stup, stup, stup",
e as bolas só lá, "chuá, chuá" na cesta.
depois, pulávamos em uma cama elástica,
os cabelos subindo, os cabelos descendo.
exaustos, tomávamos suco de abacaxi bem gelado,
temperado com folhas de hortelã,
uma ducha bem fria, uma brisa bem quente,
e o sol não fazia mal pra ninguém.
eu te contava uma coisa bem boba, baby,
e a gente ria até doer a barriga.
até a barriga roncar, e eu cozinhar
carne assada, arroz e farofa.
barriga que depois ficava pro ar:
olha um camelo, percebe o bico de um pássaro?
e a gente voava, voava,
e a gente cantava,
e a gente dançava,
como se fôssemos Smokey Robinson.

domingo, 27 de setembro de 2009

Rebeldia exposta



Poeta paranaense Paulo Leminski, morto em 1989, ganha extensa mostra em SP que reúne originais, textos inéditos, shows, documentários e peça

JOSÉ ALBERTO BOMBIG
DA REPORTAGEM LOCAL

Transcorridos 20 anos da morte de Paulo Leminski, São Paulo abrigará, a partir de 1º de outubro, a maior e mais completa mostra sobre a obra do poeta paranaense que uniu caprichos e relaxos em nome da rebeldia aos sistemas.
A "Ocupação Leminski", no Instituto Itaú Cultural, na avenida Paulista, ironicamente espécie de medula vertebral do capitalismo brasileiro, tentará dar conta das múltiplas faces da produção do "bandido que sabia latim" (título de sua biografia), morto em junho de 1989, aos 44 anos.

Aqui, a reportagem completa, somente para assinantes

OCUPAÇÃO LEMINSKI
Quando: abertura para o público em 1º/10; de ter. a sex., 10h às 21h; sáb., dom. e feriado, 10h às 19h; até 8/11
Onde: Itaú Cultural (av. Paulista, 149; tel. 0/xx/11/2168-1777 )
Quanto: entrada franca
Classificação: não informada

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

cinza

SP sem sol
É só lida

É solidão

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

economia do desejo

eu somo
você subtrai

eu agrego
você espalha

eu junto
você divide

eu multiplico
você amiúda

eu aplaco
você aplica

eu empenho
você liquida

eu uno
você separa

eu empresto
você toma

eu devo
você nega

eu pago
você rola

eu doo
você vende

eu entrego
você anuncia

eu banco
você bambeia

você some
eu sonho

você critica
eu crio

você chora
eu escuto

você duvida
eu divido

você titubeia
eu assumo

você soma
eu amo

sábado, 5 de setembro de 2009

navegação de cabotinagem



Em 1999, entrevistei Chico Buarque por conta do show "As Cidades", que em julho daquele ano chegaria a Ribeirão Preto, onde eu morava. Durante um bom tempo, guardei o cassete com a conversa, entremeada por boas gargalhadas. Mas foram tantas as mudanças de lá pra cá (e tantas outras fitas) que a gravação se perdeu entre as quinquilharias dos apartamentos ou redações.
Esta entrevista, publicada nos cadernos regionais, ainda não faz parte do acervo digital da Folha disponível na internet, e, por isso, resolvi colocá-la no blog. No texto abaixo, há comentários raros sobre sua relação com o interior de SP e com a família dos ex-jogadores Sócrates e Raí.
Assisti a uma das apresentações no Theatro Pedro 2º, a de sábado, provavelmente. Foi um show memorável, com direito a chope no Pinguim antes e depois.
É como diz a letra de "Xote da Navegação", na internet às vezes a gente "navega pra trás" (...) pela água do rio que é sem fim e é nunca mais". Segue:



JOSÉ ALBERTO BOMBIG
DA REDAÇÃO
Tímido incorrigível (se é que timidez precisa de correção), Chico Buarque não vê a hora de terminar seus compromissos da turnê pelos palcos de Jaguariúna e Ribeirão Preto nesta semana para iniciar suas apresentações na “turnê” pelos gramados.
“O melhor momento do show é quando termina e a gente vai jogar uma peladinha”, diz ele, que mostra “As Cidades” terça e quarta em Jaguariúna e sexta e sábado em Ribeirão.

Folha - O show que você apresenta na próxima semana em Jaguariúna e Ribeirão Preto é exatamente o mesmo das turnês paulistana e carioca ou há alterações, principalmente no repertório?
Chico Buarque - É o mesmo show. Além de Rio e São Paulo, inclusive, já andei fazendo outras cidades, como Belo Horizonte, Fortaleza e Recife. Basicamente é a mesma apresentação que viaja o Brasil inteiro.

Folha - Na última vez em que você se apresentou no interior de SP, há uma década, você ainda não era escritor e o Muro de Berlim ainda não havia caído. De que maneira e em que medida esses fatos mudaram sua música, sua obra?
Chico Buarque - O Muro de Berlim não alterou minha obra não, até onde eu saiba. O que alterou minha obra foram esses dez anos de vida. Mas não atribuo essa mudança a nenhuma fato concreto, nem aos livros. Claro que meu trabalho amadureceu em dez anos...

Folha - Mas você não vê uma influência maior da literatura em suas músicas atualmente? No último disco isso é mais claro...
Chico Buarque - Eu acho que de qualquer forma a minha música interfere na minha literatura e vice-versa. São processos de criação diferentes, mas são permeáveis, eu sou o mesmo autor. O que tenho dito e repito é que a experiência literária me acrescenta tanto quanto autor de livros quanto músico. Eu vou me tornando mais exigente, isso reflete até na minha criação musical.

Folha - Você está levando “As Cidades” para duas cidades que você não conhece...
Chico Buarque - Eu conheço, claro, você mesmo disse que há dez anos eu cantei em Campinas....

Folha - Mas Jaguariúna é outra cidade...
Chico Buarque - Ah, eu considerava como sendo Campinas. Pensei que fosse uma espécie de subúrbio. Eu tenho contato bom com o interior de São Paulo porque fiz sete finais de semana em São Paulo. Em alguns feriados, por exemplo, eu sentia o público diferente e me explicavam que era por causa do público do interior que estava na plateia.

Folha - Diferente como?
Chico Buarque - Parecia um pouco mais caloroso que os paulistanos, não que o público da capital também não fosse caloroso, mas nesses dias havia uma vibração diferente. Pelo fato talvez de eu não me apresentar no interior há muito tempo.

Folha - Dessa vez o Sócrates disse que não vai ter para o seu time...
Chico Buarque - Eu acho que ele não está sabendo, mas o Raí está. Nós já fizemos uma composição, nós vamos os três no meio do mesmo time, não tem revanche não (risos). Nós ganhamos de 8 a 2 da família do Sócrates, da família Oliveira, isso é uma vez na vida outra na morte, não vai ter revanche não. O time é um só, é fusão. É o Politheama e Oliveira, vamos fazer o “Politheveira’’ (risos)...

Folha - É verdade que você torcia para o Uchôa [time da pequena cidade de mesmo nome da região de São José do Rio Preto] e o Batatais [time da cidade de mesmo nome da região de Ribeirão Preto]? Você acompanha o futebol do interior de SP?
Chico Buarque - Eu morava em São Paulo e acompanhava muito o Campeonato Paulista e sabia de coisas sobre a divisão de acesso, do começo dos anos 50, Batatais, Uchôa, Linense, eu tinha botões com esses times.

Folha - Voltando ao show, qual o momento que você mais gosta?
Chico Buarque - É quando termina (risos). Eu tenho feito esse show ultimamente com mais prazer até do que no começo, porque já estou mais seguro, mais firme, menos tenso, mas o meu maior prazer ainda é quando termina e a gente vai jogar uma peladinha depois.

Folha - Já existem locais determinados para as peladas?
Chico Buarque - Na região de Campinas deve ser no campo do Toquinho. Em Ribeirão é o pessoal do Sócrates, acho que ele está armando alguma coisa diferente, mas não vai ter revanche não...

Folha - Ele disse que você trapaceou em São Paulo, que o jogo foi depois do show.
Chico Buarque - É porque durante o show tinha uma garrafa de uísque na mesa dele (risos).

(ps: o único registro de shows da turnês "as cidades" que encontrei segue abaixo, ao que parece, feito por fãs. vale apenas como registro.)

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

this is love




Era o meu coração que batia disparado, em solos intensos, improvisados, livre, porém preso à certeza de que ela um dia teria de ser minha.
Foi sempre assim, desde a primeira vez que a vi, essa urgência, esse ardor, uma certeza inexplicável e inabalável de que algo maior nos unia. Acho que ela nem se lembra, mas, certa vez, em uma manhã esquisita do início do outono, avistei seu rosto, e ele brilhou para mim, do fundo do salão de beleza _que outro lugar ela poderia habitar?
A delicadeza com que ela cuidava das unhas da madame é indescritível, por isso, vou me abster de narrar esta parte. Mas lembro bem que as belas mãos dela flutuavam no ar como as de uma pianista,e eu ouvia, embriagado, a mais doce das canções do mundo. Agora posso explicar a sentença que sobreveio ao meu juízo naquele instante: eu preciso dançar com essa mulher!
Era o meu coração que batia disparado, em solos intensos, improvisados, livre, porém preso à certeza de que ela um dia teria de ser minha.
Tomei dois tragos de coragem e adentrei aquele templo da cosmética. Como todos estavam entretidos com a funilaria e pintura do dia-a-dia, fiquei parado no meio do salão, esperando que alguém se dirigisse a mim. Um rapaz magro, cabelos vermelhos, brincos nas duas orelhas e voz fina de criança falou:
_O senhor vai cortar o cabelho?
_Não, quero fazer as unhas.
Ele imediatamente saiu gritando “Ô Ritinha, Ritinha, querida, cliente aqui, cliente para você”.
Rita segurou as minhas mãos.
_O senhor está suando!
Era o meu coração que batia disparado, em solos intensos, improvisados, livre, porém preso à certeza de que ela um dia teria de ser minha.
Uma toalha foi providenciada. Mais calmo, sorvi cada instante, cada toque, cada gesto da primeira vez que nossos corpos se conheceram. Ao final do processo, convidei-a para ir comigo ao baile daquela noite. Ela sorriu e disse:
_Um homem com mãos tão macias não deve saber o que é trabalho, mas deve ser bom dançarino.
Adentramos o salão de braços dados. A orquestra tocava um bolero. Enlacei a cintura de Rita e saímos deslizando pelo salão. Ela disse no meu ouvido:
_Um dos músicos está fora do tempo.
Era o meu coração que batia disparado, em solos intensos, improvisados, livre, porém preso à certeza de que ela era minha pra sempre.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

óbvio como um rei



"Chovia lá fora, e a capa pendurada, assistia tudo, não dizia nada"

Finalmente, o Rei e eu nos encontramos. Foi sábado à noite, em São Paulo, o show em homenagem aos 50 anos de carreira dele. Em duas horas, vi boa parte da minha vida desfilar no palco do ginásio do Ibirapuera embalada pelas canções de RC.
Por sorte, encontrei na internet o melhor set da noite, gravado na chuvosa apresentação do Maracanã.

O texto da Ilustrada de hoje:


Rei agrada fãs com show de sempre
Primeira apresentação de Roberto Carlos no ginásio do Ibirapuera, na sexta, serve de roteiro para as próximas sete


MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Se Roberto Carlos é mesmo -ao menos foi isso que o Brasil aprendeu a repetir- o homem que permanece há anos estancado no mesmo lugar, fazendo o mesmíssimo show, sua apresentação de estreia no ginásio do Ibirapuera, na última sexta-feira, pode servir de gabarito para qualquer outra das sete que ainda estão por vir nesta temporada paulistana (até 3/9).
Com atraso de 21 minutos, os músicos começam a se acomodar no palco. As luzes permanecem acesas, mas a plateia já esboça o alvoroço.
O escuro só chega três minutos depois. Às 21h26, o maestro Eduardo Lages dá o primeiro acorde do arranjo instrumental de "Como É Grande o Meu Amor por Você". Uma voz de radialista -a mesma há décadas- sai dos alto-falantes às 21h31: "Senhoras e senhores, com vocês, Roberto Carlos".
Lá vem o Rei. Ele entra devagar, com seu sorriso triste de sempre, se coloca na frente do microfone e, às 21h32, dá um suspiro forte. Pausa dramática. "Quando eu estou aqui..."
Aplaude seus músicos às 21h34 e, um minuto depois, diz a frase que as fãs já esperam: "Que prazer rever vocês". Segue o discurso, demorando a dizer cada palavra, como se não as estivesse lendo no monitor a seus pés. "Meu negócio não é falar, não. Posso dizer melhor cantando."
E corre milimetricamente o roteiro. "Eu Te Amo, Te Amo, Te Amo" (ainda às 21h35), "Além do Horizonte" (21h42), "Amor Perfeito" (21h46). Pega o violão às 21h52 para dedilhar "Detalhes".
Os gritos da plateia são mais fortes quando, às 21h59, surgem os primeiros versos de "Outra Vez". É isso o que todos querem de Roberto. Ouvir tudo outra vez.
Um apanhado de canções dedicadas a seus pais vem na sequência, às 22h06. "Aquela Casa Simples", "Meu Querido, Meu Velho, Meu Amigo", "Lady Laura". E "Nossa Senhora", às 22h13, para aquela que considera sua outra mãe.

Temas de motel
O clima reverente/religioso é cortado a navalhadas às 22h19, pela sexual "Mulher Pequena". Entram, na sequência, "Caminhoneiro" (22h24), "Do Fundo do Coração" (22h30) e sua melhor lavra de temas de motel: "Proposta" (22h37), "Seu Corpo" (22h39), "Os Seus Botões" (22h41), "Café da Manhã" (22h43) e "Cavalgada" (22h47).
São 22h54 quando Roberto apresenta sua banda, a RC9. Demora quatro minutos para isso. "Há trinta e tantos anos vejo essa mesma cena", ele admite. E volta a cantar, puxando, às 22h58, um pout-pourri com canções da Jovem Guarda.
"É Preciso Saber Viver", às 23h08, é o código para as fãs: o show está acabando, podemos ficar em pé. Em seguida virá "Jesus Cristo".
Os relógios marcam 23h15 quando Roberto abre os braços e agradece pela última vez. Chega o momento de atirar as rosas às moças. São 132 vermelhas e 36 brancas. Antes de lançá-las, leva cada uma delas na direção dos lábios, esboçando um beijo que nunca é dado. Isso vai lhe custar oito minutos.
São 23h24 quando o Rei sai do palco. A banda toca por mais um minuto e o segue sem pressa, até que o cenário fique completamente vazio, às 23h25. Ainda dá tempo de ouvir a frase de alguma fã que acompanha Roberto há muitos desses 50 anos: "Nunca vi um show como este". Outro assim, só amanhã.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

daktari



Vejo no site da Veja.

Leões: risco de extinção
No Quênia, 100 leões, em média, morreram a cada ano desde 2002, informou na segunda-feira o Serviço Queniano da Vida Selvagem (KWS), advertindo que esses felinos podem entrar em extinção dentro de duas décadas se nada for feito.


Tenho vontade de escrever uma crônica, mas me lembro que esse gênero também está ameaçado desde que Rubem Braga morreu e, segundo os mais recentes estudos, deverá desaparecer muito brevemente, substituído pelos poucos toques do Twitter. Adeus orações elaboradas. Um dia ainda visitaremos no zoo os parágrafos de Faulkner.

Penso de novo nos leões, na iminência do sumiço dos leões. Não consigo acreditar, não posso imaginar um reino sem rei e tenho vontade de fazer um poema, mas a crueldade do dia, a violência dos relógios, os números da minha conta bancária, me impedem, me proíbem de ser tão retrógrado, fora de moda e romântico. Que morram os leões, eu faço coro com os práticos, os desenvolvimentistas, os comunistas e os cientistas.

Mas logo me arrependo. Começo a me lembrar do Clarence, sim, Clarence, O Leão Vesgo da minha infância, da TV em branco-e-preto, da nossa casa, de minha mãe assando um bolo, do menino rindo de um rei dos animais de óculos, havia um rei naquela época. Lembro-me de novo dos homens antigos, dos parágrafos de Faulkner, das TVs retrógradas em branco-e-preto, dos índios cruéis, dos mocinhos honestos, românticos e sensíveis.

Lembro-me dos homens em extinção, de sua escrita dura e cruel gritando nas entrelinhas "me ame, porra", e sinto uma incrível saudade do seu reino.

(para os amigos xico sá, marcelo coppola, edgard alves, joão gabriel de lima, tadeu e joca terron; para não dizer que toda a esperança está perdida, no final de semana tenho encontro marcado com "o rei" Roberto Carlos)

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

fabricio

Neste ano, muito me desocupei das coisas supostamente grandes do dia-a-dia. Fiquei fascinado pela enormidade da vida pequena, e fui encontrá-la tão bem retratada em três textos gigantes: "A Morte de Ivan Ilicht" (Tolstoi), "Memórias Póstumas de Brás Cubas" (Machado de Assis) e "Homem Comum" (Philiph Roth).
Quis o destino que a tragédia humana _e masculina (glórias, decepções, alegrias, veleidades, culpa e, por fim, a inexorável morte)_ tão bem retratada nesses livros se aproximasse ainda mais de mim nos últimos dias.
E que eu encontrasse _fuçando o nome do amigo que se foi na internet em busca de prestar-lhe uma singela homenagem_ o texto que segue abaixo, com o título quase místico e tão simples de "Primeiras Letras". Ele daria início a um blog (em 17 de janeiro deste ano) que, infelizmente, não prosseguiu. Uma pena.
Mas foi suficiente para deixar uma marca, um brilho, um pouco da trajetória de um homem grande e especial. A história do amigo não guarda semelhança com a do juiz de instrução russo, com a do nosso Brás ("aos 40 anos, não era ministro, não tinha filhos, não era nada") ou com a do publicitário de Roth. Mas traz nela nossa aflição contra o inexplicável da morte e a fugacidade da vida.
No texto, meu amigo chega a dizer que "escrever é para os profissionais". Não é. Escrever é para quem não se conforma.
Ontem, Fabricio se foi. Deixou saudades, amigos, filhos, exemplos e o testemunho que reproduzo aqui como minha despedida simbólica e perpetuação de sua ausência.
Viveu bem sua grande vida de homem comum.

Primeiras Letras
Enfim decido por um Blog. Nunca sei a pronúncia correta, se falo o "B" separado do log, ou "bilogui". Ou se tudo junto, Blog.
De todas as formas me rendi a essa história de Blog.
Nem sei se tenho muito que expressar, mas ultimamente estive pensado muito, durante as noites de insônia ou no banho, sobre coisas várias.
É interessante este mundo de exposição, todo mundo querendo se “celebrizar”. Eu de minha parte, desejo apenas ser rico (coisa que ainda não consegui) e desconhecido, porque nada pior que ser pobre e famoso.
Desejo pensar alto sobre as mais diferentes coisas, desde comportamento, religião, finanças, musica, cinema e economia até política, futebol, turismo, Tv por assinatura, filhos e cerveja.
Como bom desconhecido, me apresento.
Homem na faixa dos 30 para os 40, formado em economia pela Universidade de São Paulo, com pós em administração pelo INPG, trabalho com comércio exterior. Viajo pelo mundo e nessa viagens uso o inglês, o espanhol, o português e o italiano, nem sempre de forma correta, mas seguramente se fazendo entender.
Um casal de filhos pequenos, uma esposa maravilhosa que me suporta, não no sentido abrasileirado da palavra, mas anglo-saxão.
Enfim, um homem comum, de classe média a mais média possível.
Escrevo eventualmente no principal jornal de meu município, A Comarca. Vivo em Matão, uma próspera cidade (pelo menos até a mais recente crise financeira mundial) do interior de São Paulo, com cerca de 80 mil habitantes.
Espero encontrar olhos e ouvidos aqui, pessoas que se interessem por pensamentos muitas vezes curiosos, mas minimamente formulados.
Escrever sobre coisa alguma é coisa para profissionais, portanto os deixo aqui.
Sejam todos bem vindos.



Segue o link do Bico.

(era para ser lido ao som de "Peter Gast", do Caetano, mas não encontrei no Youtube).

terça-feira, 11 de agosto de 2009

desesperança

Esta manhã tem a tristeza de um crepúsculo.
Como dói um pesar em cada pensamento!
Ah, que penosa lassidão em cada músculo...

O silêncio é tão largo, é tão longo, é tão lento
Que dá medo... O ar, parado, incomoda, angustia...
Dir-se-ia que anda no ar um mau pressentimento.

Assim deverá ser a natureza um dia,
Quando a vida acabar e, astro apagado, a Terra
Rodar sobre si mesma estéril e vazia.

O demônio sutil das nevroses enterra
A sua agulha de aço em meu crânio doído.
Ouço a morte chamar-me e esse apelo me aterra...

Minha respiração se faz como um gemido.
Já não entendo a vida, e se mais a aprofundo,
Mais a descompreendo e não lhe acho sentido.

Por onde alongue o meu olhar moribundo,
Tudo a meus olhos toma um doloroso aspecto:
E erro assim repelido e estrangeiro no mundo.

Vejo nele a feição fria de um desafeto.
Temo a monotonia e apreendo a mudança.
Sinto que minha vida é sem fim, sem objeto...

_Ah, como dói viver quando falta a esperança!


Manuel Bandeira, Teresópolis, 1912

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

romaria

peço uma prece
contra essa praga
de ter prego pregado na fala

uma novena na sala
contra essa aliteração
na garganta encravada

terça-feira, 4 de agosto de 2009

moby dick



o homem atrás de sua obsessão
o ventilador a girar no teto
soprando a voz de seus fantasmas
a espera
a espera
todos nós atrás de nossos coronéis kurt
os segredos entocados nas matas
ah, como é insana a espera

o homem com o coração jogado no mar
a proa no horizonte a rodar
bebendo no vento a voz dos fantasmas
a busca
a busca
todos nós atrás de um monstro particular
os mistérios submersos nas águas
ah, como é insana a busca

todos nós
insanos
todos

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

agosto

Nessas tardes molhadas de agosto
Sinto a chuva lavando minha alma
Sinto o frio entrando pelos ossos
Como uma coisa um troço
Não sei explicar

Nessas tardes molhadas de agosto
Sinto a chuva lavando minha alma
Sinto o frio entrando pelos ossos
Como uma coisa um troço
Não sei explicar

Lavei as mágoas nos pingos da chuva
E aquela velha dúvida de te encontrar
Tô molhado como um passarinho
Perdi o ninho já nem sei voar
Eu tô molhado
Pingando chovendo
Chovendo pingando
Pingando tão só
Tô molhado
Chovendo doendo
Doendo sangrando
Sangrando de fazer dó
Tô chuviscando estou chovendo
Estou sofrendo de fazer dó
Chuviscando estou chovendo
Estou sofrendo tô causando dó

Mês de agosto é mês de chuva
Mês de agosto lava a alma
Mês de agosto é mês de chuva
Mês de agosto é mês de chuva
Mês de agosto lava a alma
A mágoa a mágoa

(canção "Lava Mágoas", de Alceu Valença, do disco "Cavalo de Pau", que comprei lá pelos idos de mil novecentos e oitenta e sempre)

quinta-feira, 23 de julho de 2009

armas pra lutar

Contra o pó, a pá e a pedra:
a linha antes do fim da linha
a lauda antes da lápide fria
a palavra antes de caiarem a sina
um poema por dia na luta de todo dia

sexta-feira, 17 de julho de 2009

sexta-feira, 10 de julho de 2009

human nature



e anda e lê livros e acorda e rabisca papel e telefona e toma chá e vê filme e corre e atravessa o sinal e nada e compra chiclete e apaga a luz e acende a luz e toma uma cerveja e escreve poema e lê outro livro e vai almoçar com os colegas e pede perdão e com licença e desculpa e por favor e não encontra as coisas e pega ônibus e come bife à milanesa com espagueti na manteiga e paga mais uma conta e ouve rádio e tem vontade de mandar um monte de gente pra puta que o pariu e lava um prato e liga pros pais e corta um pão e nada e lê um poema e pensa e faz exames e devolve o filme na locadora e trabalha e goza e toma outra cerveja e vai ao banco e paga conta e lê jornal e pega avião e sobe na balança e encontra as coisas que perdeu e ouve música e faz sopa de tomate com manjericão e dorme e passa a mão nos cabelos e tem vontade de comprar um carro e sonha e faz de conta e deixa o dinheiro da faxineira em cima do aparador e as instrução cozinhe feijão em cima da mesa e ouve música e escreve e faz uma lista de compras e passa perfume e tem vontade de mandar um monte de coisas pra puta que o pariu e telefona e goza e pensa que a cidade está entupida de carros e que um dia os carros vão subir pelos prédios e os carros já sobem na calçada e anda e pisa na merda e vai almoçar com os colegas e fica pelado na frente do espelho com o tubo de desodorante na mão e canta eu estou vivo muito vivo in the eletric cinema e chora e trabalha e pensa e esquece onde deixou o boleto bancário e arremessa uma bola de borrocha em uma cesta e goza e acorda para fazer anotações em um bloco e assiste outro filme e lê mais livro e deixa o dinheiro da faxineira em cima do aparador e mede a pressão e dá muitas risadas e ouve rádio e corre e goza

(ps: por volta de 5min de vídeo o miles quase cai e um dos músicos tenta ajudá-lo; ele, é claro, fica puto com o gesto)

quarta-feira, 8 de julho de 2009

malagueta, perus e bacanaço

(...) Tudo o que tenho feito em minha vida apenas tem me dado noções da minha precariedade. Um sentimento de falência, certo nojo pela condição dos homens e até ternura, às vezes; quase sempre - pena.
Mesmo nas etapas das quais saio vitorioso, nunca se afasta o gosto da frustração. Competir para mim é imoral, portanto: profissional, amorosa, familiarmente, meus acontecimentos não têm me preenchido nada. De transitoriedade e de insuficiência têm-me sido essas coisas do amor, da profissão e da família. A verdade é que não consigo comunicação. Nem o exterior comigo. Eu não aprendo a aceitar nada pela metade. E é este sentimento de culpa que me fica.
Agarrei-me à literatura aos onze anos. Neste amor já houve longos espaços de paixão maluca e houve esmorecimentos explicáveis, que eu, com estes meus arrebatamentos só apronto confusão. E levo tanta aflição por dentro.
Mas é o amor de sempre. E vou caprichando que, afinal, a literatura é a minha única terapêutica. A alquimia literária me esgota. Qualquer página me custa, a mim, que para outras redações tenho facilidade. Escrever é outra dimensão e é única comunicação de verdade com o mundo porque falando com pessoas, eu não me consigo transmitir. E quando tento...
Para reescrever Malagueta, Perus e Bacanaço, empreguei quase dois anos, que não tinha quarto e quase nem casa. Rodei pensões, bibliotecas, apartamentos de amigos, quartos mesquinhos de hotel; enquanto, durante o dia, trabalhava em escritórios de mil coisas para remendar dívidas e empenhos familiares. Aproveitei intervalos, sacrifiquei domingos, mandei amigos andarem, desertei de muitas coisas. Gramei sobre o papel, o livro veio vindo, vindo, veio, está aí.
Mas tenho esperanças. Tenho levado castigos mas tenho esperanças. Um malandro, meu amigo, dizia: "A gente cai, a gente levanta, na queda já se aprendeu. Pode ser que ali na esquina a gente dê uma sorte". Parece-me que tenho uma das mais puras bossas para a malandragem, entre as muitas que vi. Mas nunca vi ninguém com tanta vocação de otário. Logo, minha vida é um trapézio. Mas a minha responsabilidade é grande - eu não tenho rede que amenize as quedas. Para mim, certas fugas não valem. Os porres resolvem o problema do dono do bar. E certos vícios, com autenticidade, são até virtude. Não declinarei número de sapato, nem de colarinho, peso e derivantes porque realmente não sei. Não quero detalhar minhas amizades malandras, que isto não é novela. E tem mais duas propriedades - não sou besta e nem delator. Mas foi lá. Nas beiradas das estações, nos salões do joguinho, nos goles dos botecos, que vi Malagueta, Perus e Bacanaço.

(São Paulo, Boca do Lixo, janeiro de 1963, texto introdutório à terceira edição de Malagueta, Perus e Bacanaço, de João Antonio, colaboração do Fábio Victor)

quarta-feira, 1 de julho de 2009

vamos deixar por aqui



A falibilidade do filho
O falocentrismo
A falência do pai
O poder da fala
O falocentrismo
A falibilidade da mãe
A falência do filho
O poder da fala
A falibilidade do pai
A falência da mãe
O falocentrismo
O poder da fala
O poder da falha
A palavra
A falha
A fala

segunda-feira, 22 de junho de 2009

lançamento da ivana

Amigos, espero todos vocês no lançamento do Hotel Novo Mundo,
amanhã na Livraria da Vila, rua Fradique Coutinho, 915.
Depois das 21h30 a festa se transfere para a Mercearia São Pedro, rua Rodésia, 34.
Um beijo
Ivana


quinta-feira, 18 de junho de 2009

divina comédia




revisitado, o inferno de dante não passa de uma profunda sessão de psicanálise

quarta-feira, 17 de junho de 2009

nothing but blue skies




Na hora me lembrei dele, sou daqueles que sempre encontram algo profundo e metafórico nos relatos simples e diretos de Hemingway: eu tentava escalar uma montanha muito alta, fazia frio e, apesar da névoa, sabia que no cume estaria seguro e poderia avistar o horizonte para além das nuvens que me atormentavam.
Minhas mãos escorregavam, quase se desprendiam do costado majestoso da montanha. Mãos lanhadas pelos galhos e pedregulhos, punhos fechados, tentando reter o que ainda restava de sólido nesta vida tão liquefeita.
Num determinado momento, estanquei em um pequeno platô. Suava sob os agasalhos pesados, tirava as botas encharcadas e percebia que os pés também sofriam com as adversidades da escalada. Olhei para cima. Tentei avistar algo além de um palmo na frente do rosto, chacoalhei a névoa como quem espanta um redemoinho de insetos. Mas nada, o futuro era impenetrável e etéreo. O passado, logo abaixo, calmo, conhecido e até sedutor.
Avaliei que não reunia mais condições físicas nem mentais de prosseguir. A única opção seria passar a noite ali, encolhido, torcendo pelo novo dia, por um recalcitrante sol de verão que me ajudasse a retomar a escalada ou a retroceder em segurança. Sabia, no entanto, que a desistência da subida naquele momento trazia atrelada a condenação de morte.
Essa ideia assustou-me. Recoloquei as botas, me pus em pé. A subida se tornaria ainda mais custosa e arriscada. Mas dois, talvez apenas três, metros depois, eu já me encontrava protegido, correndo no cimo verde e perfumado da montanha.
A névoa que não me deixou enxergar quão perto estava do alívio, magicamente se dissipara. Lá no alto, o céu brilhava muito azul e o sol de amanhã tinha chegado antes. O futuro era como o horizonte em um conto de Hemingway, aparentemente simples, misteriosamente metafórico.

(esse Willien Nelson cantando o standard "blue sky" de Irving Berlin é muito bom; no nível da versão da marina lima)

segunda-feira, 15 de junho de 2009

las nieves del kilimanjaro

É recomendável ir embora de Paris? Não, não creio que seja muito. Para a mulher que acompanha o intrépido Harry em As neves do Kilimanjaro não é nada. Referindo-se à perigosa África na qual penetraram, ela diz a Harry num momento do relato de Hemingway: "Quisera não ter vindo a este lugar, em Paris não teria acontecido nada disso, poderíamos ter ficado lá". Essa mulher, ainda que apenas por seu caráter leviano e porque não lhe agradava nada sair de Paris, me lembrava às vezes Kikí, a única pessoa deste mundo que sei com certeza que quis me assassinar.
As neves do Kilimanjaro é um relato no qual Hemingway nos conta, de forma elíptica, que já vira as orelhas do lobo, que vê um presságio de morte nos cumes nevados dessa orgulhosa montanha, "cujo cimo oeste é chamado pelos masai de A casa de Deus". Hemingway estava convencido de que as neves do Kilimanjaro, que identificava com a morte, eram definitivas, perpétuas. Nós também estivemos convencidos disso até há bem pouco. Em meio a um mundo acelerado em que tudo se transforma, era confortável saber que a morte, como a neve sobre o cume do Kilimanjaro, estaria lá sempre intocável, deliciosamente fria e estável. Sem dúvida, toda essa serena segurança na eternidade da neve desses cumes africanos se desfez há pouco tempo quando soubemos que dentro de vinte anos já não haverá nem rastro delas no Kilimanjaro. Trata-se de uma notícia do século XXI equiparável a outra do XIX, parecida com aquela sobre a morte de Deus que em seu momento difundiu Nietzsche.
Dentro de vinte anos morrerão as neves eternas do Kilimanjaro. Pergunto-me o que teria dito Hemingway se pudesse se inteirar disso que agora sabemos, quero dizer, de que depois de Deus será a Morte quem morrerá. Lembro de Hemingway com sua mulher fotografando na África, com o majestoso Kilimanjaro ao fundo, sua mulher Mary mirando a câmera com uma escopeta. E lembro dele também em outra fotografia africana, junto do grande aventureiro Philip Percival, cuja valentia ele tanto admirava.
"Harry olhou, e tudo o que pôde ver foi o cimo quadrado do Kilimanjaro, amplo como o mundo; gigantesco, alto e incrivelmente branco debaixo do sol. Então soube que era para lá que iria."
Havia em Hemingway uma maneira muito valente e digna de ir em direção à morte, em direção aos cumes nevados. É evidente, contudo, que, no caso de que dentro de vinte anos lhe fosse possível voltar ao mundo, se tornaria impossível voltar a escrever isso de "então soube que era para lá que iria", pois nestes tempos o espaço que deu título ao seu relato, esse lugar de silêncio e imponente clima de altitude ("lá que iria"), ao encontrar-se sem suas neves perpétuas, não será o mesmo lugar, não será a Morte.
Dentro de vinte anos, teremos de ir a Paris em busca de algo mais eterno, dar assim razão a essa mulher do relato de Hemingway que dizia que não era recomendável deixar a cidade. Parece-me que ela, apesar de seu caráter leviano, soube intuir muito bem que Paris, diferentemente das sentenciadas neves do Kilimanjaro, será sempre imortal, nunca terá fim. Por que será que é verdade, senhoras e senhores, que Paris nunca terá fim?



Enrique Vila Matas, em "Paris não tem fim" (ed. Cosac Naify), tradução do Joca Terron

quarta-feira, 10 de junho de 2009

letra e música

o desespero não desmente apuro
até em desenfreado expurgo
ele cuidadosamente me dita
a partitura da música aflita

e eu,ponta-de-lança da raça,
amalgamo em prata palavras
transformo fonemas em árias
tempero de lágrimas a fúria

deixo marinar no céu da boca
a canção rigorosa e certeira
refrão sem par na escalada
verso límpido e gris de toada

quarta-feira, 3 de junho de 2009

summer time and winter time



primeiro frio do ano
fui feliz
se não me engano

paulo leminski

(dois habitués do blog para abrir junho)

terça-feira, 26 de maio de 2009

viagens a lilliput


São uns nove, sei lá, talvez dez, não sei. Há pouco, um deu um pulo que nem o de um gato e grudunhou meu cabelo. Outro veio e pregou na minha perna, não larga nem quando eu a chacoalho com toda a força. De modo que esses dois acabei até aceitando como se fossem parte de mim, apêndices desconfortáveis e avessos à fagocitose, porém que a gente carrega entre muxoxos e dores lombares, bolsas de água quente e chá para os nervos. Se não querem largar, que fiquem. Os outros não. O menorzinho, por exemplo, estava aplicado em me dar cabeçadas no saco, ficava pulando e cabeceando meu saco. O do sapatinho azul (acho que esse é um dos raros detalhes de que me lembro bem) recuava coisa de dez, doze passinhos dele (uns quatro de gente graúda) e vinha, vinha: tum! de encontro ao meu peito com os dois pezinhos em riste. Nos tendões de Aquiles eu sentia ardidas e intermitentes bicudinhas. Devia ser um trabalhando em cada calcanhar, só ali, martelando, água mole em pedra dura bicando sem parar. O resto do cálculo eu baseio na enorme quantidade de mordidas na bunda, beliscões nas coxas e pancadinhas na linha de cintura que eu tomei. Ah, e tinha um que assistia tudo soltando um gritos feios, relembrando os piores episódios da minha vida, tipo assim: eu tento me concentrar para esquecer o que fazem comigo, e ele narra os momentos mais repugnantes da minha existência até ali. Então eu reuni forças advindas da culpa, do ódio e do ressentimento e lutei, como eu lutei! Rodei, rodei, balancei minhas pernas, chutei o ar, peguei com as mãos as goelinhas deles e esganei, urrei, corri e até me debati contra uma parede, só para ver se esmagava algum sacaninha. Os que não foram atirados longe tiveram de se soltar (menos aqueles dois que eu falei no início, o da cabeça e o da perna esquerda, esse então, agora parece cachorro tarado em perna de mulher velha). O fato é que ganhei alguns minutos de alívio e vejo que os pequeninos estão voltando com carinha de choro, de cachorrinho pidão, de arrependimento, me fazendo esses elogios, anunciando carinhos, olha aí... Tô em dúvida... Será que exagerei na dose? Não, são todos uns falsos, irôniquinhos, estão é dando risadinhas da minha cara, só esperando para recomeçar a luta, a sessão de maldades, repletas de tapinhas nas costas, ataques rasteirinhos e chutinhos no saco. Não falei? Já tentam me derrubar de novo esses filhinhos-da-puta pervertidos! Mas eu sou muito maior que tudo isso.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

rastros

tua marca em mim
assim gravada

a pata

como do cão
para sempre

a pata

fortuita, fresca
desavisada

a pata

no cimento
da calçada


(rua vargem do cedro, sumaré, são paulo, voltando do bar do celso)

domingo, 17 de maio de 2009

vôo 1829

dor de estômago dor de âmago dor de amargo da dor da ansiedade do ócio da ociosidade do ansioso da ansiosidade de ânsia do ansioso pelo ócio da qualidade de ansiar o nada de dentro do osso que não sossega nem no ócio porque é ansioso até o osso e nas asas do avião do tempo que não voa junto na vala entre o céu e a terra e o pensamento que não ajuda a girar o ponteiro no rumo do ralo do tempo do nervo doendo no osso e na vala que faz vomitar as palavras por causa da ânsia no âmago do ócio da boca do estômago da boca amarga e fechada vomitando com as mãos as palavras palavras palavras as palavras na mão

sexta-feira, 8 de maio de 2009

meia-noite



Ainda é céu de ontem
mas lua e estrela
já gritam teu nome

quarta-feira, 6 de maio de 2009

justiça seja feita



voa
salva
captura
evita o rapto
impede a explosão

rápido

impeça a explosão
evite o rapto
capture
salve
voe

Mas no final grite:
Eu sou Clark Kent, porra!

terça-feira, 5 de maio de 2009

saxofone colosso

Dia 1º de dezembro de 1978, a notícia do saxofonista encontrado morto num quarto de hotel estava nos principais jornais de São Paulo. Ele era Casé, um mito no meio musical. Inovador, dono de talento extraordinário e técnica irretocável, tornou-se referência para críticos e grandes instrumentistas do Brasil e do exterior. Não quis fama nem fortuna nos 46 anos de vida. Deixou poucas gravações.Leia aqui, no ensaio biográfico de Fernando Lichti Barros (e ouça também).

quinta-feira, 30 de abril de 2009

este pesadelo absurdo

Bósnio transmite estranheza em obra de linguagem palpitante

Aleksandar Hemon, que vive nos EUA, trata da sensação de não pertencimento em romance

JOCA REINERS TERRON

ESPECIAL PARA A FOLHA

Dentre as muitas tradições literárias e os possíveis recortes canônicos, existe aquele exíguo clube dos autores emigrados, que por um motivo ou outro passaram a escrever numa língua que não era a sua. Os mais célebres são o polonês Joseph Conrad e o russo Vladimir Nabokov, exilados de séculos e guerras já extintas, mas há ainda aqueles que escaparam de infernos contemporâneos, como o bósnio Aleksandar Hemon (1964), autor de "As Fantasias de Pronek".
Bem recebido em sua estreia com "E o Bruno?" (1999), Hemon adotou o inglês na marra, após viajar aos EUA em 1992 para um seminário de jornalistas. Quando estava prestes a retornar, a guerra civil eclodiu na Iugoslávia, forçando-o a trocar Sarajevo por Chicago. Vítima de congelamento numa zona de espaço-tempo que não a sua, o bósnio tem alimentado sua prosa dessa condição de não pertencimento, além de promover razoável "aquecimento" da língua de adoção, cujo frescor de abordagem é sempre comparado ao de Nabokov.
"As Fantasias de Pronek" (2002), que sai agora por aqui, é impulsionado pela linguagem palpitante que não economiza estranheza e pela qual cortinas venezianas tagarelam, sossegam e calam, torneiras contam pingos com rigor e máquinas e objetos são atribuídos de vida. Certo parentesco com o uruguaio Felisberto Hernández (contemporâneo de Borges e influenciador de Cortázar) parece inusitado, mas existe: como em Hernández, as histórias de Hemon para seu alter ego Josef Pronek são impregnadas de esquisitices que podem ser diagnosticadas como uma visão de mundo poética, como assinala Jonathan Safran Foer na capa do volume. Haverá, afinal, mais em comum entre a província cisplatina e os Bálcãs do que se pode suspeitar?

Conto
A origem de Pronek está num conto de "E o Bruno?", "O Cego Josef Pronek & as Almas do Além". Assim como o autor, o personagem é um nativo de Sarajevo cujas agruras são relembradas por outro bósnio, um professor de línguas que o encontra numa escola de Chicago onde busca emprego.
Pleno em deslocamentos temporais e geográficos, ao longo do livro a infância de Pronek é recordada pelo amigo, e o reencontramos em várias etapas de sua vida atribulada, sempre sob a ótica de pessoas que com ele conviveram: são pelos olhos de Victor, por exemplo, um americano de origem ucraniana, que vemos as desventuras de Pronek em Kiev, terra natal de seu pai. Lá, ele se encontra com George Bush às vésperas da extinção da URSS.
Prisioneiro do tempo e com livre passaporte para deslocamentos por diversos países (até na China vai parar), Josef Pronek, assim como um Forest Gump hilário e alucinado, é prisioneiro da história, esse pesadelo absurdo do qual ninguém consegue escapar.

JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de "Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da Palavra).




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AS FANTASIAS DE PRONEK

Autor: Aleksandar Hemon
Tradução: Roberto Grey
Editora: Rocco
Quanto: R$ 32,50 (232 págs.)
Avaliação: bom

segunda-feira, 27 de abril de 2009

o infinito é o limite



(é só clicar na imagem para ampliar o nanopoema)

Brasileiros fazem o seu primeiro "nanopoema"

Obra de Arnaldo Antunes é escrita em fio com 1 milésimo da largura de um cabelo

Trabalho surgiu da ideia de artista plástico em parceria com físicos da Unicamp e do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas

JOSÉ ALBERTO BOMBIG
ENVIADO ESPECIAL A CAMPINAS

Um fio mil vezes mais fino do que um cabelo. Nele, uma única palavra: "Infinitozinho", tirada de um poema-escultura do compositor Arnaldo Antunes.
Da união entre dois institutos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e o LNLS (Laboratório Nacional de Luz Síncrotron) surgiu esse que os pesquisadores acreditam ser o primeiro "nanopoema" brasileiro. Ou o primeiro poema grafado com tecnologia especial numa estrutura na escala de nanômetros. Um nanômetro vale 1-9 metro, igual a um milionésimo de milímetro.
O experimento foi realizado em março no Centro de Nanociência e Nanotecnologia César Lattes do LNLS a partir de uma ideia do poeta e músico Juli Manzi, nome artístico do doutorando do Instituto de Artes da Unicamp Giuliano Tosin, que, desde 2006, desenvolve pesquisa para a tese "Transcriações: reinventando poemas em meios eletrônicos".
"Em uma conversa com meu irmão Giancarlo Tosin, físico do LNLS, fizemos uma avaliação das tecnologias recentes que estariam ao alcance para uma transcriação poética. O critério era de que a tecnologia deveria veicular conteúdo verbal de forma perceptível. A nanotecnologia parecia ser a que melhor se encaixava em nosso propósito", explica Manzi.
Em seguida, ele procurou o professor Daniel Ugarte, do Instituto de Física. Ambos definiram que a melhor alternativa era realizar furos em um nanofio de fosfeto de índio, um material semicondutor, com um feixe de elétrons gerado no microscópio eletrônico de transmissão em varredura inaugurado neste ano no LNLS. O aparelho foi financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
Luiz Henrique Tizei, doutorando no Instituto de Física, realizou o procedimento de escrita no nanofio desenvolvido pelas pesquisadoras Thalita Chiaramonte e Mônica Cotta.
A palavra-poema foi escrita de trás para diante, a partir da extremidade livre do nanofio, com o microscópio modelo JEOL2100F-URP. As medidas são da ordem de 35 nanômetros por 440 nanômetros -um milésimo de um fio de cabelo.

Elétrons escultores
"Tudo consiste em escavar o nanofio com um feixe de elétrons. Poderíamos dizer que fomos esculpindo furos no nanofio. Tudo levou cerca de cinco horas", explica o físico Tizei.
"Quando o Giuliano falou que o poema consistia em uma palavra, ficou bem mais fácil", brinca Ugarte, que pesquisa a nanotecnolgia há 20 anos. Juli Manzi diz crer que o resultado seja inédito no Brasil.
"Experiências similares com poesia já foram realizadas em outros países, como na Universidade de Cardiff, no Reino Unido, em 2007. As imagens do "nanopoema" serão expostas inicialmente em banners impressos, como um poema-cartaz", conta. "Vi o trabalho [o poema de Arnaldo Antunes] na 2ª Bienal de Artes Visuais do Mercosul, em Porto Alegre, em 1999. Há a semelhança entre o conteúdo do poema e o novo ambiente gerado para a transcriação, pelas relações entre o diminutivo e o muito pequeno. As propriedades semânticas pareciam caber perfeitamente no contexto da nanoescritura."

segunda-feira, 20 de abril de 2009

pastel de poesia

nada anda a contento
nada vezes nada
nada sai a bom tempo

oco corroendo oco
noves fora nada
nada habitando dentro

vacância de pensamento
vazio girando moenda
vento mascando vento

quarta-feira, 15 de abril de 2009

terça-feira, 14 de abril de 2009

se me der na veneta eu vou




Revendo Amigos

Se me der na veneta eu vou,
Se me der na veneta eu mato,
Se me der na veneta eu morro,
E volto pra curtir .

Eh eh,
Ah ah,
Ih ih,
Eu volto prá curtir.

Se tocar algum xote eu tou,
Se tocar um xaxado eu xaxo,
Se cair algum coco eu corro,
E volto pra curtir.

Se chego num dia a cidade é careta,
Se chego num dia a cidade é porreta,
Se chego num dia me arranco no outro,
Seu eu me perder da Nau Catarineta.

Na sopa ensopada eu volto pra curtir,
Na sopa ralada eu volto pra curtir,
Eu vou, mato, morro, volto pra curtir,
Mas eu já morri,
E volto pra curtir,
Eh eu,
Ah já,
Mo morri,
E volto prá curtir.

Jards Macalé e Waly Salomão

segunda-feira, 13 de abril de 2009

e a crítica que não toque na poesia




Não serei escravo dos seus critérios
Da sua vontade de me fazer crível
De me cravar na cara dentes de realismo
De me incubar no peito a frase quadrada
De me cobrir com tua lógica semântica
De me salvar com teu discurso da descrença

Sou livre
Lírico
Errático
Enfático
Espectral
Tátil
Sintático

(minha homenagem a caetano veloso, em sua eterna cruzada contra os críticos, após ter lido a excelente reportagem da Bravo! com ele e o Chico)

quarta-feira, 8 de abril de 2009

aos 44 do segundo tempo




Estava me esquecendo do show do amigo Conrado e seu Portnoy hoje, logo mais. Ainda dá tempo de correr até lá: Astronete (rua Matias Aires, 183-B, entre a Augusta e a Haddock Lobo)

terça-feira, 7 de abril de 2009

homem

vida desafortunada
acostumada ao acaso
incomodada ao extremo
avessa ao tratado
à revelia dos trilhos
ao sabor dos atalhos

homem sem filhos
nome nas folhas
falhas nos fatos
fardos no falo
desejos de fauno
um cara, caralho


(para ser lido em espelho com "mulher")

sexta-feira, 3 de abril de 2009

hora de separar os homens dos meninos



With The Man

aqui
no oeste
todo homem tem um preço
uma cabeça a prêmio
índio bom é índio morto
sem emprego
referência
ou endereço
tenho toda a liberdade
para traçar meu enredo

nasci
numa cidade pequena
cheia de buracos de balas
porres de uísque
grandes como o grand canyon
tiroteios noturnos
entre pistoleiros brilhantes
como ouro da califórnia
me segue uma estrela
no peito do xerife de denver

Paulo Leminski

(poema que acompanha a introdução que Leminski fez para a edição do "Folhas das Folhas da Relva", do poeta norte-americano Walt Whitman, na coleção Cantadas Literárias da finada Brasiliense)

quarta-feira, 1 de abril de 2009

terça-feira, 24 de março de 2009

Carnovsky

Para quem gosta de Nathan Zuckerman e afins tanto quanto eu:

domingo, 15 de março de 2009

apê dos sonhos



Loft equipado com microfones revela parte da história do jazz

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Uma visão íntima do processo criativo de um lendário compositor
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Por NATE CHINEN

Há caixas de papelão por todo o loft em Manhattan onde W. Eugene Smith, renomado fotojornalista americano, dividiu residência com Hall Overton, um obscuro compositor e pianista. Dentro das caixas estão perucas, do estoque de uma firma chinesa que hoje é a locatária. Nada neste prédio revela sua história de décadas como um fervilhante centro do jazz a partir de meados da década de 1950.
Por isso é preciso algum esforço para imaginar Thelonious Monk, um dos maiores compositores de jazz, andando por estes assoalhos no início de 1959 e preparando-se para a estreia de seu grande grupo no Town Hall, que ajudaria a abrir caminho para uma carreira além das casas noturnas. É preciso ter imaginação para colocá-lo, junto com Overton, em uma dupla de pianos de armário escrevendo acordes para suas canções. Mas essas coisas realmente aconteceram; é o que sabemos graças a um extraordinário acervo de gravações em fitas feitas por Smith, que tinha equipado a maior parte do prédio com microfones.
As fitas de Monk e Overton representam apenas uma parte das cerca de 3.000 horas de material reunidos por Smith de 1957 a 1965. Devido à luz que elas projetam sobre os dois músicos, seu valor é inestimável. Monk, famoso por seu silêncio críptico e métodos elegantes, surge como um gênio excêntrico, lúcido e até volúvel, mas também diligente. Overton, recrutado para orquestrar as difíceis composições de Monk, é revelado como um escriba paciente e um parceiro brilhante.
"O que fica óbvio é o respeito mútuo entre eles e a extensão de sua precisão", disse o pianista Jason Moran, 34.
A história maior do loft foi um projeto imersivo para pesquisadores da Universidade Duke da Carolina do Norte. Sam Stephenson dirige a iniciativa. Seu livro sobre o assunto, "Rhythm of a Corner: W. Eugene Smith and a New York Jazz Loft, 1957-1965" [Ritmo de um canto: W. Eugene Smith e um loft de jazz em Nova York], será publicado pela editora Knopf no segundo semestre.
Smith mudou-se para o loft em 1957, deixando para trás uma família em Manchester, no Reino Unido, e um emprego na revista "Life". Ele se concentrou no loft e na rua lá fora, fazendo 20 mil fotos enquanto espiava de uma janela no quarto andar.
Ao mesmo tempo, Smith registrou horas de ruído aleatório, programas de rádio, as idas e vindas no lugar. Mas como seus moradores incluíam Overton, o pianista Dick Cary e o pintor David X. Young, ele também captou um corte diagonal da cultura do jazz em uma época dinâmica. Monk e Overton aparecem juntos nas fitas nas semanas que antecederam o concerto no Town Hall, que ocorreu em 28 de fevereiro de 1959. Depois de uma dissecação especialmente difícil de uma melodia chamada "Thelonious", pode-se escutar Monk afastando-se do piano, perdendo o interesse ou a energia. "O que você tem aí já está bom", ele diz.
"Quero checar todos os sons com você. E também que instrumentos você quer ouvir em certos lugares, entende?", responde Overton, depois de uma pausa.
Ouvir a gravação original de "Little Rootie Tootie" provocou pelo menos uma decisão importante. "Deixe a banda tocar isso", diz Monk. O trecho de orquestração resultante é o floreio mais elaborado do concerto.
O esforço valeu: a apresentação foi um sucesso musical. "Pela primeira vez Monk foi realmente reconhecido em um ambiente fora de uma boate", diz o historiador do jazz Dan Morgenstern, que estava lá.
Os toques de reinvenção estão de acordo com o espírito da música, como ilustram as fitas. "Não precisamos fazer igual à gravação", diz Overton enquanto toca "Little Rootie Tootie".
Monk responde rápido: "Ah, não, é claro que não. Podemos ouvir alguma outra coisa que soe melhor".

sexta-feira, 13 de março de 2009

quem sabe um coração



Ah, os anos 80... Novela da Globo tinha tema de abertura assinado pelo Paulo Leminski.

Por falar em poesia na música, o Caderno 2 de hoje traz o assunto em sua capa. Além de "Promessas Demais" (letra abaixo), o poeta, entre outras, fez "Mudança de Estação", sucesso com A Cor do Som.

Promessas Demais

Quem sabe um coração me dirá
Dirá se cabe ou não no mesmo lugar
Quem sabe um coração me dirá
Dirá se cabe ou não no mesmo lugar
Quem sabe um coração...

Não precisava não acenar
Não precisava não promessas demais
Não precisava não acenar
Muita felicidade é um rio que vai
O rio que vai, o rio que vai me levar
Não passa na sua cidade
O paraíso, o paraíso começa
É só começar um sorriso

Quem sabe um coração me dirá
Dirá se cabe ou não no mesmo lugar
Quem sabe um coração me dirá
Dirá se cabe ou não no mesmo lugar

Num lugar comum
Onde nós dois somos um
Um que não tenha amizade
Para nenhum, para nenhum não tem jeito
Algum que não bata no peito

Pa ra ra...

quinta-feira, 5 de março de 2009

minha alegria é triste

Eu praticamente havia me esquecido de como é chato levantar vôo pela manhã, o gosto azedo da noite mal dormida ainda na boca, o corpo doído, a triste perspectiva de que as horas no avião serão apenas o começo de um longo e cansativo dia de trabalho. Todo esse mau humor em contraste com os sorrisos pré-pagos das comissárias e comissários. É claro,tudo pode mudar se você estiver embarcando para tomar mojitos em alguma praia do Caribe, mas não era esse o meu caso.

Airbus A-319 lotado; portas em automático; atenção tripulação, decolagem autorizada; e eu folheio uma dessas revistas distribuídas gratuitamente pelas aéreas. Mórbida coincidência, ela trazia breves perfis de dois suicidas: Hugo Bidet (1934-1977)e Assis Valente (1911-1958). Não deixa de ser engraçado, cento e poucas pessoas espremidas sobre um enorme tanque de gasolina desafiando a lei da gravidade, pensando em permanecer vivas, enquanto o editor da publicação em questão nos brinda, nos distraí, digamos assim, com a história daqueles que por conta própria abriram mão do direito de continuar respirando.

Depressões deixadas de lado, passei o vôo anotando as canções que conheço de Assis Valente. Conhecer nesse caso significa pelo menos cantarolar um refrão. "Fez Bobagem", "E o Mundo não se Acabou", "Brasil Pandeiro", "Boneca de Pano", "Boas Festas", "Camisa Listrada" e "Alegria" _as duas últimas as músicas alegres mais tristes de toda a história!

"Camisa" é carregada daquela euforia que costuma acometer os desesperados, talvez a mesma que tenha acompanhado Bidet ao longo de sua vida na Banda de Ipanema. Para quem não conhece ou não se lembra, é aquele samba do sujeito que despiroca em um Carnaval. Nunca li a biografia de Assis Valente, conheço algumas histórias colhidas em mesas de bar, programas de televisão, jornais e revistas. Há vários relatos de que ele era gay e não convivia bem com a sociedade da época. O samba soa como expressão de sua angústia, não no que diz respeito à brincadeira de se travestir de mulher, óbvia demais para o compositor. Mas há algo de revelador e simbólico no verso "tirou o seu anel de doutor para não dar o que falar":

Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí
Em vez de tomar chá com torrada ele bebeu parati
Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão
E sorria quando o povo dizia: sossega leão, sossega leão

Tirou o anel de doutor para não dar o que falar
E saiu dizendo eu quero mamar
Mamãe eu quero mamar, mamãe eu quero mamar

Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão
E sorria quando o povo dizia: sossega leão, sossega leão
Levou meu saco de água quente pra fazer chupeta
Rompeu minha cortina de veludo pra fazer uma saia
Abriu o guarda-roupa e arrancou minha combinação
E até do cabo de vassoura ele fez um estandarte
Para seu cordão

Agora a batucada já vai começando não deixo e não consinto
O meu querido debochar de mim
Porque ele pega as minhas coisas vai dar o que falar
Se fantasia de Antonieta e vai dançar no Bola Preta
Até o sol raiar


O mesmo traço melancólico/expansivo também aparece em "E o Mundo não se Acabou", um pouco mais divertido e que também poderia ser chamado de melô da ressaca moral:



Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar
Por causa disso a minha gente lá de casa começou a rezar
E até disseram que o sol ia nascer antes da madrugada
Por causa disso nessa noite lá no morro não se fez batucada
Acreditei nessa conversa mole
Pensei que o mundo ia se acabar
E fui tratando de me despedir
E sem demora fui tratando de aproveitar
Beijei na boca de quem não devia
Peguei na mão de quem não conhecia
Dancei um samba em traje de maiô
E o tal do mundo não se acabou
Chamei um gajo com quem não me dava
E perdoei a sua ingratidão
E festejando o acontecimento
Gastei com ele mais de quinhentão
Agora eu soube que o gajo anda
Dizendo coisa que não se passou
Vai ter barulho e vai ter confusão
Porque o mundo não se acabou


Certamente, são dois sambas com lugar cativo nas boas listas do gênero, um gravado por Aracy e outro por Carmem Miranda, a grande intérprete de Assis Valente, conforme a maioria dos críticos afirma.

Nenhum deles, no entanto, se compara a "Alegria" (parceria com Durval Maia, 1937), na interpretação de Orlando Silva. A voz do maior cantor brasileiro sublinha o que há de mais secreto nesse samba: a tristeza disfarçada de alegria.

"Vou cantando fingindo alegria para a humanidade não me ver chorar" diz muito também sobre Orlando Silva. Revisitado, o verso poderia ser o "Reconhecer o valor necessário do ato hipócrita" de Caetano Veloso.

Se Jackson do Pandeiro quis juntar chiclete como banana, Assis Valente é o poeta do samba que misturou _e infelizmente tomou_ guaraná com formicida.


Alegria
Pra cantar a madrugada
As morenas vão sambar
Quem samba tem alegria

Minha gente
Era triste amargurada
Inventou a batucada
Pra deixar de padecer

Salve o prazer
Salve o prazer

Da tristeza não quero saber
A tristeza me faz padecer
Vou deixar a cruel nostalgia
Vou fazer batucada de noite e de dia

Esperando a felicidade
Para ver se eu vou melhorar
Vou cantando, fingindo alegria
Para a humanidade
Não me ver chorar

Alegria
Pra cantar a batucada
As morenas vão cantar
Tem samba tem alegria

Minha gente
Era triste amargurada
Inventou a batucada
Pra deixar de padecer

Salve o prazer
Salve o prazer



ps: é uma pena, mas não há no youtube um vídeo de alegria, que foi gravada por Vanessa da Mata recentemente. Na Rádio UOL dá pra ouvir: http://app.uol.com.br/radiouol/linklista.php?playlist=Orlando_Silva#

quarta-feira, 4 de março de 2009

fossa abissal

Buraco profundo
Açude de saudade
Charco sujo de mágoa

Na mansidão desta água
O bagre da melancolia
Lambe o lodo pesado dos dias

aeroporto 2009

Sob o céu de Brasília
ouço só a sinfonia
ansiosa das máquinas

domingo, 1 de março de 2009

poor lonesome cowboy



Crítica/DVD/"Live from New York City"

Marsalis e Willie Nelson se divertem com os clássicos
CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Até mesmo os fãs do trompetista Wynton Marsalis ou do cantor Willie Nelson torceram seus narizes, em 2008, ao saber do lançamento do disco que os dois gravaram juntos. À primeira vista, a inusitada parceria do erudito embaixador do jazz com o medalhão do country soava como outro daqueles projetos caça-níqueis do mercado musical.
Mas o CD "Two Men With the Blues" (Blue Note/EMI) provou que não se tratava de armação. O projeto de gravação nasceu após um encontro casual do jazzista com o cantor, em 2003, num show que reuniu astros no lendário Apollo Theater, em Nova York. Os dois aguardaram as condições ideais para o reencontro, que só ocorreu em 2007.
Das gravações realizadas em dois concertos, resultaram as 11 faixas incluídas no álbum, assim como o material que originou o DVD "Live From New York City" (Eagle Vision/ ST2), que acaba de sair no Brasil.

Blues clássicos
Ao lado de um quinteto de músicos emprestados das bandas de ambos, Marsalis e Nelson se divertem interpretando clássicos blues ("Ain't Nobody's Business", "Night Life", "Rainy Day Blues") e alguns standards da canção norte-americana, como "Georgia on My Mind". O que mais poderiam escolher para que ambos se sentissem em casa?
Além de captar a relaxada atmosfera desse encontro, o DVD inclui três faixas que não aparecem no CD: o gospel "Down By the Riverside" e as jazzísticas "Don't Get Around Much Anymore" (Ellington e Russel) e "Sweet Georgia Brown" (Bernie e Pinkard). O filme traz também depoimentos de Marsalis e Nelson, que lembram como os dois se conheceram e refletem sobre as suas identidades musicais.
"Os rótulos foram inventados para vender a música. Você tinha que dar um nome a ela antes para poder vendê-la. Mas alguns gêneros musicais englobam tudo, e é isso que eu gosto de tocar", diz Nelson.

Briga de botequim
Reveladores também são os sorrisos que Marsalis troca com os músicos da banda, ao ouvir as notas insólitas extraídas por Willie Nelson de seu maltratado violão, que parece recém-saído de uma briga de botequim. "Ele é completamente imprevisível nos improvisos", comenta o jazzista, elogiando a originalidade de seu parceiro.
Pena que em vez de se concentrar mais na expressão dos músicos, o diretor Danny Clinch opte com frequência por inserir imagens noturnas da cidade de Nova York, como num documentário turístico. A edição nervosa, que parece querer transformar o registro do concerto em uma espécie de videoclipe, também incomoda, em alguns momentos. Ainda assim, a música descontraída de Marsalis e Nelson consegue escapar ilesa do exibicionismo do diretor.



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LIVE FROM NEW YORK CITY
Artistas: Willie Nelson e Wynton Marsalis
Lançamento: Eagle Vision/ST2
Quanto: R$ 36, em média
Classificação: livre
Avaliação: bom

domingo, 22 de fevereiro de 2009

contravenção

proposta contra proposta
gosto contra gosto
senso contra senso
regra contra regra
mão contra mão
partida contra partida
pé contra pé
baixo contra baixo
argumentocontraargumento
palavra contra palavra
tempo contra tempo
poema contra o verso

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

mulher

o ambíguo
ambivalente
latente
em ti

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

algodão doce



Resenha minha sobre o "Kind of Blue" na bela Bravo! deste mês. Clica aí na revista online para ler e no Miles para ouvir "Blue in Green".

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

viagem ao centro da terra

Pego a estrada, desligo o telefone
E já não sei mais onde estou

Deito no chão para olhar o céu
E já não sei mais onde estou

Mergulho, giro, rodopio
E já não sei mais onde estou

Solto as mãos do guidão
E já não sei mais onde estou

As velhas gavetas estão vazias
E já não sei mais onde estou

Cinemas se transformam em igrejas
E já não sei mais onde estou

Ninguém me enxerga nas ruas
E já não sei mais onde estou

Acordo assustado no meio da noite
E já não sei mais onde estou

Abro os olhos no escuro
Eu estou comigo mesmo

sábado, 24 de janeiro de 2009

wake up, jones



Jairo Jones acordou meio atordoado naquela manhã úmida e cinza de janeiro. Não por conta dos golpes que havia tomado na noite anterior, mas dos tragos que foram muitos e bons, disso ele se lembrava bem.
Caminhou de ceroulas até o espelho e viu do que se tratava a dor que tanto incomodara seu sono justo: o olho direito estava roxo e inchado. "Cacete, aquele idiota pelo jeito batia bem", pensou o velho Jones. Em seguida, examinou suas mãos, também inchadas, apesar das luvas. "Eu devo ter batido muito também."
Abriu a vista para a rua General Jardim, foi até a pequena cozinha, esquentou a água, encharcou o pó, buscou o copo e acendeu o cigarro. "Preciso ligar para o Meio-Quilo e perguntar o que aconteceu." Como flashes, lógico, golpes começaram a pulular nas lembranaças de Jairo: "Jabs, cruzados, uppers, repare o jogo de pernas... Eu bati bem naquele... Quem era mesmo o adversário?"
Voltou para a cama, viu um pedaço do teto quase desabando sobre ele. "Preciso ligar para o Meio-Quilo e arrumar essa merda... Deixa pra lá... Ganhar ou perder, que diferença faz? O importante é continuar dando porrada."
Adormeceu novamente, sem saber que seus troféus e medalhas da noite anterior ornamentavam a entrada de um bordel da Augusta.

Jairo Jones gasta todo o dinheiro que ganha nos ringues com bebidas e mulheres. Chega a tomar uma média de trinta socos na cara por luta. Está ficando com a memória lesada, mas não tem coragem de enfrentar uma tomografia porque morre de medo de ficar preso dentro da máquina.
Já falei que Jairo Jones gasta todo o dinheiro que ganha nos ringues com bebidas e mulheres?

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

o lobisomem

O amor é para mim um Iroquês
De cor amarela e feroz catadura
Que vem sempre a galope, montado
Numa égua chamada Tristeza.
Ai, Tristeza tem cascos de ferro
E as esporas de estranho metal
Cor de vinho, de sangue, e de morte,
Um metal parecido com ciúme.

O Iroquês sabe há muito o caminho e o lugar
Onde estou à mercê:
É uma estrada asfaltada, tão solitária quanto escura,
Passando por entre uns arvoredos colossais
Que abrem lá em cima suas enormes bocas de silêncio e solidão).

Outro dia eu senti um ladrido
De concreto batendo nos cascos:
Era o meu Iroquês que chegava
No seu gesto de anti-Quixote.
Vinha grande, vestido de nada

Me empolgou corações e cabelos
Estreitou as artérias nas mãos
E arrancou minha pele sem sangue
E partiu encoberto com ela

Atirando-me os poros na cara.
E eu parti travestido de Dor,
Dor roubada da placa da rua
Ululando que o vento parasse

De açoitar minha pele de nervos.
Veio o frio com olhos de brasa
Jogou olhos em todo o meu corpo;
Encontrei uma moça na rua,
Implorei que me desse sua pele
E ela disse, chorando de mágua,
Que era mãe, tinha seios repletos
E a filhinha não gosta de nervos;
Encontrei um mendigo na rua
Moribundo de fome e de frio:
“Dá-me a pele, mendigo inocente,
Antes que Ela te venha buscar.”
Respondeu carregado por Ela:
“Me devolves no Juízo Final?”
Encontrei um cachorro na rua:
“Ó cachorro, me cedes tua pele?”
E ele, ingênuo, deixando a cadela
Arrancou a epiderme com sangue
Toda quente de pêlos malhados
E se foi para os campos da lua
Desvestido da própria nudez
Implorando a epiderme da lua.
Fui então fantasiado a travesti
Arrojado na escala do mundo
E não houve lugar para mim.

Não sou cão, não sou gente - sou Eu.
Iroquês, Iroquês, que fizeste?

Décio Pignatari

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

every time we say goodbye




Tem dor de peito
que não há jazz
que dê jeito

* Dia desses, escalei, em uma brincadeira entre amigos, minha seleção de jazz de todos os tempos: Coltrane, sax tenor, Miles, trompete, Mingus, contrabaixo, Elvin Jones, bateria, Julian Cannonball, sax alto e Bill Evans, piano. (Sim, deixei o bepob inteiro fora, paciência).
Mas o piano de McCoy Tyner (no vídeo acima com Coltrane e Jones) também é maravilhoso.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

silêncio, por favor

Dormirei abraçado a meus sapatos
furados de tanto andar por avenidas

Neles talvez esteja impresso o mapa
dos descaminhos desta dor alpinista

Não me acordem.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

veraneio

O vento me lambe
com sua língua
solta de cortina

sábado, 10 de janeiro de 2009

fortuna crítica

Todos os crimes
são de Raskolnikov
Os castigos também

Todas as traições
são de Emma Bovary
Os desejos também

Todas as dúvidas
são de Bentinho
As certezas também

Todas os conflitos
são de Hamlet
As tragédias também

Todas as bebedeiras
são de Chinaski
As ressacas também

Todas as estradas
são de Dean Moriarty
As encruzilhadas também

Todos os sofrimentos
são do Jovem Werther
Os gozos também

Todo os sons
são de Faulkner
A fúria também

Todos os mojitos
são de Hemingway
Os dry-martinis também

Toda a espera
é de Penélope
As mentiras também

Todo o mau-caratismo
é de Basílio
O amor de Luiza também

Toda a sorte
é de quem sabe ler
A desgraça também

sábado, 3 de janeiro de 2009

cinema falado



Ela na plataforma de olhos perdidos
Ah, Bogart, meu caro, me socorra
Era eu quem devia fazer isso
Quem nunca devia ter partido





Eu, estanque na calçada
Bill, meu velho, que noite escura!
Ensine o truque que grita mais
Quem apenas chora e sussura




Nós, rumo ao capítulo desconhecido
Monsieur Doinel, quero aprender o olhar à esguelha
Em uma praça, pentear nela a sobrancelha
Viver tudo tal qual talvez afinal





Hey, Man!
Vamos fazer uma lista?
Grandes perdas?
Maiores conquistas?
Sim.
Não!
Quem diria!
Ainda chegará o dia...
No final, noves fora
Neve lá fora (porque agora é cinema!)
Please, dont`t chora.
Eu estou aqui.
Baby.


ps: os quatro vídeos são curtos e bem legais.