quarta-feira, 8 de julho de 2009

malagueta, perus e bacanaço

(...) Tudo o que tenho feito em minha vida apenas tem me dado noções da minha precariedade. Um sentimento de falência, certo nojo pela condição dos homens e até ternura, às vezes; quase sempre - pena.
Mesmo nas etapas das quais saio vitorioso, nunca se afasta o gosto da frustração. Competir para mim é imoral, portanto: profissional, amorosa, familiarmente, meus acontecimentos não têm me preenchido nada. De transitoriedade e de insuficiência têm-me sido essas coisas do amor, da profissão e da família. A verdade é que não consigo comunicação. Nem o exterior comigo. Eu não aprendo a aceitar nada pela metade. E é este sentimento de culpa que me fica.
Agarrei-me à literatura aos onze anos. Neste amor já houve longos espaços de paixão maluca e houve esmorecimentos explicáveis, que eu, com estes meus arrebatamentos só apronto confusão. E levo tanta aflição por dentro.
Mas é o amor de sempre. E vou caprichando que, afinal, a literatura é a minha única terapêutica. A alquimia literária me esgota. Qualquer página me custa, a mim, que para outras redações tenho facilidade. Escrever é outra dimensão e é única comunicação de verdade com o mundo porque falando com pessoas, eu não me consigo transmitir. E quando tento...
Para reescrever Malagueta, Perus e Bacanaço, empreguei quase dois anos, que não tinha quarto e quase nem casa. Rodei pensões, bibliotecas, apartamentos de amigos, quartos mesquinhos de hotel; enquanto, durante o dia, trabalhava em escritórios de mil coisas para remendar dívidas e empenhos familiares. Aproveitei intervalos, sacrifiquei domingos, mandei amigos andarem, desertei de muitas coisas. Gramei sobre o papel, o livro veio vindo, vindo, veio, está aí.
Mas tenho esperanças. Tenho levado castigos mas tenho esperanças. Um malandro, meu amigo, dizia: "A gente cai, a gente levanta, na queda já se aprendeu. Pode ser que ali na esquina a gente dê uma sorte". Parece-me que tenho uma das mais puras bossas para a malandragem, entre as muitas que vi. Mas nunca vi ninguém com tanta vocação de otário. Logo, minha vida é um trapézio. Mas a minha responsabilidade é grande - eu não tenho rede que amenize as quedas. Para mim, certas fugas não valem. Os porres resolvem o problema do dono do bar. E certos vícios, com autenticidade, são até virtude. Não declinarei número de sapato, nem de colarinho, peso e derivantes porque realmente não sei. Não quero detalhar minhas amizades malandras, que isto não é novela. E tem mais duas propriedades - não sou besta e nem delator. Mas foi lá. Nas beiradas das estações, nos salões do joguinho, nos goles dos botecos, que vi Malagueta, Perus e Bacanaço.

(São Paulo, Boca do Lixo, janeiro de 1963, texto introdutório à terceira edição de Malagueta, Perus e Bacanaço, de João Antonio, colaboração do Fábio Victor)

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