quarta-feira, 17 de junho de 2009

nothing but blue skies




Na hora me lembrei dele, sou daqueles que sempre encontram algo profundo e metafórico nos relatos simples e diretos de Hemingway: eu tentava escalar uma montanha muito alta, fazia frio e, apesar da névoa, sabia que no cume estaria seguro e poderia avistar o horizonte para além das nuvens que me atormentavam.
Minhas mãos escorregavam, quase se desprendiam do costado majestoso da montanha. Mãos lanhadas pelos galhos e pedregulhos, punhos fechados, tentando reter o que ainda restava de sólido nesta vida tão liquefeita.
Num determinado momento, estanquei em um pequeno platô. Suava sob os agasalhos pesados, tirava as botas encharcadas e percebia que os pés também sofriam com as adversidades da escalada. Olhei para cima. Tentei avistar algo além de um palmo na frente do rosto, chacoalhei a névoa como quem espanta um redemoinho de insetos. Mas nada, o futuro era impenetrável e etéreo. O passado, logo abaixo, calmo, conhecido e até sedutor.
Avaliei que não reunia mais condições físicas nem mentais de prosseguir. A única opção seria passar a noite ali, encolhido, torcendo pelo novo dia, por um recalcitrante sol de verão que me ajudasse a retomar a escalada ou a retroceder em segurança. Sabia, no entanto, que a desistência da subida naquele momento trazia atrelada a condenação de morte.
Essa ideia assustou-me. Recoloquei as botas, me pus em pé. A subida se tornaria ainda mais custosa e arriscada. Mas dois, talvez apenas três, metros depois, eu já me encontrava protegido, correndo no cimo verde e perfumado da montanha.
A névoa que não me deixou enxergar quão perto estava do alívio, magicamente se dissipara. Lá no alto, o céu brilhava muito azul e o sol de amanhã tinha chegado antes. O futuro era como o horizonte em um conto de Hemingway, aparentemente simples, misteriosamente metafórico.

(esse Willien Nelson cantando o standard "blue sky" de Irving Berlin é muito bom; no nível da versão da marina lima)

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