domingo, 15 de março de 2009

apê dos sonhos



Loft equipado com microfones revela parte da história do jazz

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Uma visão íntima do processo criativo de um lendário compositor
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Por NATE CHINEN

Há caixas de papelão por todo o loft em Manhattan onde W. Eugene Smith, renomado fotojornalista americano, dividiu residência com Hall Overton, um obscuro compositor e pianista. Dentro das caixas estão perucas, do estoque de uma firma chinesa que hoje é a locatária. Nada neste prédio revela sua história de décadas como um fervilhante centro do jazz a partir de meados da década de 1950.
Por isso é preciso algum esforço para imaginar Thelonious Monk, um dos maiores compositores de jazz, andando por estes assoalhos no início de 1959 e preparando-se para a estreia de seu grande grupo no Town Hall, que ajudaria a abrir caminho para uma carreira além das casas noturnas. É preciso ter imaginação para colocá-lo, junto com Overton, em uma dupla de pianos de armário escrevendo acordes para suas canções. Mas essas coisas realmente aconteceram; é o que sabemos graças a um extraordinário acervo de gravações em fitas feitas por Smith, que tinha equipado a maior parte do prédio com microfones.
As fitas de Monk e Overton representam apenas uma parte das cerca de 3.000 horas de material reunidos por Smith de 1957 a 1965. Devido à luz que elas projetam sobre os dois músicos, seu valor é inestimável. Monk, famoso por seu silêncio críptico e métodos elegantes, surge como um gênio excêntrico, lúcido e até volúvel, mas também diligente. Overton, recrutado para orquestrar as difíceis composições de Monk, é revelado como um escriba paciente e um parceiro brilhante.
"O que fica óbvio é o respeito mútuo entre eles e a extensão de sua precisão", disse o pianista Jason Moran, 34.
A história maior do loft foi um projeto imersivo para pesquisadores da Universidade Duke da Carolina do Norte. Sam Stephenson dirige a iniciativa. Seu livro sobre o assunto, "Rhythm of a Corner: W. Eugene Smith and a New York Jazz Loft, 1957-1965" [Ritmo de um canto: W. Eugene Smith e um loft de jazz em Nova York], será publicado pela editora Knopf no segundo semestre.
Smith mudou-se para o loft em 1957, deixando para trás uma família em Manchester, no Reino Unido, e um emprego na revista "Life". Ele se concentrou no loft e na rua lá fora, fazendo 20 mil fotos enquanto espiava de uma janela no quarto andar.
Ao mesmo tempo, Smith registrou horas de ruído aleatório, programas de rádio, as idas e vindas no lugar. Mas como seus moradores incluíam Overton, o pianista Dick Cary e o pintor David X. Young, ele também captou um corte diagonal da cultura do jazz em uma época dinâmica. Monk e Overton aparecem juntos nas fitas nas semanas que antecederam o concerto no Town Hall, que ocorreu em 28 de fevereiro de 1959. Depois de uma dissecação especialmente difícil de uma melodia chamada "Thelonious", pode-se escutar Monk afastando-se do piano, perdendo o interesse ou a energia. "O que você tem aí já está bom", ele diz.
"Quero checar todos os sons com você. E também que instrumentos você quer ouvir em certos lugares, entende?", responde Overton, depois de uma pausa.
Ouvir a gravação original de "Little Rootie Tootie" provocou pelo menos uma decisão importante. "Deixe a banda tocar isso", diz Monk. O trecho de orquestração resultante é o floreio mais elaborado do concerto.
O esforço valeu: a apresentação foi um sucesso musical. "Pela primeira vez Monk foi realmente reconhecido em um ambiente fora de uma boate", diz o historiador do jazz Dan Morgenstern, que estava lá.
Os toques de reinvenção estão de acordo com o espírito da música, como ilustram as fitas. "Não precisamos fazer igual à gravação", diz Overton enquanto toca "Little Rootie Tootie".
Monk responde rápido: "Ah, não, é claro que não. Podemos ouvir alguma outra coisa que soe melhor".

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