quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

exercícios de verão



O calor e o sol espantaram os moradores da cidade. Não que as ruas estejam vazias como em um dia de feriado, porém estão vazias.

Agora quando escrevo, não chove há dois dias e, apesar do sol intenso, eu ando pela cidade lendo o livro do Bolaño, "Estrela Distante". Leio também na piscina, quando não estou trabalhando, mas quase sempre leio andando pela cidade, seja a pé ou de ônibus.

Para ler, eu uso uns óculos que aumentam o tamanho das letras. Me disseram que isso chama-se vista cansada. Não acho possível. Já vi muita coisa neste mundo e não me saturei de nada, pelo contrário.

O engraçado é que, enquanto leio andando na calçada, tenho que ficar atento ao caminho, e os óculos deixam tudo embaçado, menos as letras do livro, e então é como se a história que o Bolaño narra fosse o real, e o resto apenas uma realidade baça, desfigurada.

Está quente em todas as partes onde não há clima artificial. No ônibus, uma moça com o suor escorrendo pelo vão das tetas toma uma Coca-Cola como se as duas, ela e o refresco, fossem os últimos exemplares de suas respectivas espécimes do planeta. Mas não, as tetas fartas e as Coca-Colas agora se produzem em linhas de montagens modernas e capazes de suprir a demanda dos países emergentes como o Brasil, que, a cada ano, vê milhares de cidadãos deixarem a linha da pobreza para ingressarem no mundo mágico das tetas siliconadas e das Cocas-Colas zero açúcar.

Era para ser noite, mas ainda é dia, quer dizer, é quase-noite ou quase-dia, e as ruas continuam vazias. Encontro um trio que usa chapéu de vaqueiro nordestino, camisas floridas e calças brancas. O do triângulo pede uma água da torneira, o da sanfona tenta me vender um CD, a mulher da zabumba aguarda na calçada. Me lembro de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião e constato triste que até hoje não comprei a edição completa de sua obra. Me lembro também daquela música do filho que queria desafiar o pai só porque tinha voltado de uma cidade como esta, que agora quando escrevo está vazia, para a terra que arde qual fogueira de São João.

De fato, chega a noite. "Chiquinho e Seus Acompanhantes" vão continuar zanzando pelas ruas desta cidade vazia, ou quase. Ruas onde, agora quando escrevo, é possível perceber que existe vento, ruas que vão se encher igual piscina assim que as águas despencarem do céu, provavelmente no momento em que o trio estiver tocando aquela música da terra que arde qual a fogueira de São João.

Logo as pessoas todas voltarão. Elas sempre voltam, é uma pena. As ruas se encherão de novo, dessa vez, de gente, o sol nascerá todas as manhãs, será encoberto à tarde, as águas cairão até março, a garoa chegará em maio, o frio, em julho, a primavera lá pelos idos de setembro. E eu pensarei neste verão que agora quando escrevo arde dentro mim. E esperarei o próximo.


ps: Este relaxo (quase um delírio de verão), só foi escrito para que eu pudesse postar o Gil ao vivo em Montreux (1978), com Pepeu Gomes na guitarra, em um dos melhores shows dele, gravado em CD.

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