terça-feira, 19 de janeiro de 2010

a gramática do som



Um furo internacional para comemorar neste mês os dois anos do blog:

“A gramática que constrói os idiomas é muito mais importante do que o idioma em si”

ou

“O jazz está menos livre”



Revigorado após o sucesso de “Sound Grammar”, Ornette Coleman contou ao Blog, por telefone de sua casa nos EUA, que está trabalhando em um novo disco, ainda sem título. A idéia é lançá-lo até o final do ano.
Para o veterano compositor, o panorama do jazz atual está mais conservador do que no passado e, se John Coltrane ainda estivesse vivo, estaria fazendo “algo tão livre quanto ele sempre foi, só que melhor”. Obcecado pela idéia de uma linguagem anterior às palavras, Coleman diz que sua música vem do coração e da mente. Leia a entrevista:



BBlog - Eu escutei uma música de fundo, o que é?
Ornette Coleman - Estamos, como eu digo, estamos gravando músicas novas.

BBlog - Músicas novas para um próximo álbum? O Sr. está preparando um novo disco?
Coleman - Sim.

BBlog - E quando o sr. pretende lançá-lo?
Coleman – Eu diria que as gravações ainda vão levar um tempo, tantas coisas acontecem...

BBlog – Então o processo está adiantado?
Coleman - Sim, porque nosso último trabalho, “Sound Grammar”, já tem quase três anos.

BBlog - Esse períod é um tempo mínimo para a produção de um álbum?
Coleman - O tempo não é exatamente o parâmetro. Algumas vezes, para fazer uma gravação, você precisa de pessoas que estão longe e você precisa dar um jeito de trazê-las de volta, e isso gasta tempo. Isso me leva a diferentes atrasos, porque quero trabalhar com músicos criativos, que estejam tanto interessados em improvisar e como também ligados à estrutura a que chamamos de melodia.

BBlog - Serão os mesmos músicos que trabalharam com o senhor em "Grammar"?
Coleman - Acho que serão outros. As composições serão minhas e do meu “aprendiz” Mark Kostabi [artista plástico], mas a parte de execução será feita por outros músicos.

BBlog – Qual a diferença de conceito entre o "Grammar" e esse novo álbum?
Coleman - A única coisa nova é a execução melódica. O piano é diferente do cello, o cello é diferente da guitarra em som, mas ainda são as mesmas notas. O que tentamos fazer quando criamos um álbum é seguir o que chamamos de "unisson”, que é tocado por certos instrumentos, com diferentes temas e tons, conectando idéias e culturas, dependendo dos instrumentos. O conceito-chave é o que estou tentando dizer. O conceito de música é muito baseado em idéias, idéias que vêm da estrutura de duas coisas, da relação entre os instrumentos e da emoção dos seres humanos. Essa combinação faz o que chamamos de improviso algo bastante livre e, sem dúvida, em qualquer idioma, em qualquer ritmo.

BBlog - Há idéias que apenas a música pode mostrar?
Coleman - Não diria isso, mas a estrutura da execução vem da emoção das idéias. A execução é como comer, dormir, falar, seja lá o que for. Sempre que você usar seu sistema nervoso para expressar o que chamamos de som, isso virá da estrutura de seu corpo, seu cérebro e de suas emoções.

BBlog - É algo mais emocional ou racional?
Coleman - Acho que é tudo isso em uma só coisa. Está misturado. E acho que é lindo que seja assim porque isso faz com que as pessoas toquem diferentes instrumentos. O jazz permite que algumas idéias tenham a mesma oportunidade de expressar uma emoção humana, é uma condição, em vez de seguir uma outra revolução para alcançar os mesmos objetivos.

BBlog – “Sound Grammar” foi considerado um dos melhores álbuns de sua carreira. O sr. concorda com isso?
Coleman - Acho que sim, principalmente por conta da instrumentação. Muitas vezes a gramática que constrói os idiomas é muito mais importante do que o idioma em si.

BBlog - A gramática seria o esqueleto, a estrutura da linguagem, e, por isso, mais importante?
Coleman - Sim, bom, não sei se é o mais importante, mas acho que a língua dá mais... Você consegue imaginar quantas línguas são faladas no mundo? Quando você pensa em música, a maior parte da música produzida pelas culturas ocidentais é tocada pelas mesmas idéias, mas as emoções são diferentes. É a mesma diferença entre um homem e uma mulher, física. Mas o físico expressa as diferenças mentais e psicológicas, o sistema nervoso. Vamos encarar isso, a qualidade das emoções é baseada na forma como o sistema nervoso responde à maneira como você se sente em relação a como alguém vai avaliar o que você está dizendo.

BBlog - O sr. estuda neurociência, biologia ou medicina?
Coleman – (Risos) Não, eu tive no colegial, mas nunca mais estudei isso desde que saí da escola. Mas gosto muito do assunto.

BBlog – O sr. tem alguma memória especial da sua estréia no Five Spot, em 1959?
Coleman - A única coisa que a minha memória me traz são os músicos daquele tempo, que eu utilizei para formar a banda, para criar diferentes idéias, revoluções de conceito, para lidar com a parte física e mental, a exterioridade das pessoas em relação ao que chamamos de usar a própria mente. A música vem do que chamamos de inspiração das idéias que encontramos nas nossas mentes, nos nossos corações, quando executamos um instrumento, o que permite que possamos ser ouvidos e compreendidos.

BBlog - O sr. ficou magoado com a maneira como o público o recepcionou naquela noite?
Coleman - Uma das formas mais comuns de se magoar é quando algo que você ama trata-o mal. Isso machuca muito mais do que qualquer outra coisa.

BBlog - O sr. quer dizer que não se magoou porque não amava o público?
Coleman – Pelo contrário. Acho que estamos sempre amando a vida, a relação entre as pessoas. Então, sim, isso faz com que você sinta como se tivesse sido ferido.

BBlog - O sr. conhece algo de música brasileira ou gosta de algum artista brasileiro em particular?
Coleman - A música brasileira é uma das formas mais determinantes para a música do mundo.

BBlog - O sr. gostaria de tocar no Brasil novamente?
Coleman - Eu gostaria de tocar em qualquer lugar, seres humanos são seres humanos, sempre podem colocar algo na mesa, as pessoas podem aproveitar umas as outras, a troca de idéias.

BBlog - O sr. tocaria o novo álbum que está gravando?
Coleman - Claro, claro. Eu gostaria de ir aos lugares que nunca fui e voltar aos que já toquei. Espero que o Brasil seja um deles, mas não sou eu quem decide onde vou, apenas me levam de um lugar a outro.

BBlog - O que o sr. acha do jazz que é atualmente produzido nos EUA?
Coleman - Vamos encarar isso, a palavra jazz pode ser usada para designar algo de que gostamos, mas a qualidade tem mais a ver com a estrutura e o tipo de significado que a música expressa em relação ao conceito de vida, de seres humanos de todas as raças.

BBlog - O sr. acha que é uma produção conservadora?
Coleman - Não acho conservadora, mas é menos livre.

BBlog - E está ficando cada vez menos livre?
Coleman - Sim, mas isso é porque, quando se tem um emprego, as pessoas querem que toquemos algo de que gostam, e é o que se pode fazer.

Blog - Se John Coltrane estivesse vivo, que tipo de música ele estaria fazendo?
Coleman - Acho que algo tão livre quanto ele sempre foi, só que melhor.

BBlog - O álbum já tem o título?
Coleman - Ainda não.

BBlog - Como o sr. escolhe o título de seus álbuns?
Coleman - Isso vem e vai, assim como as idéias dos seres humanos. Uma pessoa que está trabalhando comigo é Mark Kostabi. Ele é um modelo, um compositor. Nós nos sentamos juntos e compomos realmente juntos, ele também toca piano. Estávamos sentados aqui agora, trabalhando, nos preparando para montar o álbum.

Um comentário:

Lauro Mesquita disse...

Excelente entrevista, parabéns!