sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

purificções/dry martini

Enquanto tomam o banho morno, o rádio embutido no criado-mudo toca sambas dos anos 40. Um com a história de um sujeito que fica louco e anda pelas ruas porque a mulher amada é o mundo dele. Outro sobre um bonde que leva gente honesta para o trabalho, bem apropriado para o horário. Ele caminha até o aparelho antigo e imagina estar diante da verdadeira máquina do tempo. Mas, em seguida, vai até a janela e espia as pessoas apressadas na calçada, aprisionadas nos carros, enrugadas sob as marquises. Dá um sorriso e diz:
_Que merda estou fazendo em Chicago? Eu odeio Chicago.
_Como é?
_Em 1954, quando o escritor William Faulkner veio a São Paulo, chegou completamente de porre em um domingo à tarde. Na manhã seguinte, novamente embriagado, olhou o viaduto do Chá e pensou que estivesse em Chicago.
Como sempre acontece nessas horas, ela sorri.
_Vou anotá-la_, diz, e emenda:
_Quanto a você, é melhor mudar os critérios de escolha dos hotéis onde mora. Quem sabe não consegue se livrar desses fantasmas de escritores, músicos de jazz e dry martinis.
O homem quase diz que o Esplanada não existe mais como hotel, virou a sede de uma grande empresa. Pensa perguntar “e nós?”. Desiste. A reposta seria “nós sempre teremos o Rio”.
_Vê se cuida_, despede-se ela, batendo a porta.
Ele sabe que a mulher foi embora irritada por não ter podido parafrasear Humphrey Bogart naquela cena final.
_Em uma hora como esta, após ter perdido Ingrid Bergman, Bogart chamaria o capitão e Renault e tomaria mais um dry martini_, diz ele, enquanto olha novamente o centro, o musgo verde e dourado das torneiras do hotel escorrendo sobre a cidade.

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