segunda-feira, 27 de outubro de 2008

é só jogo de bola



Como e com quem cheguei ao pequeno estádio, não me lembro, nem interessa tanto. O que importa é que eu estava lá, na beira do campo, pronto para ver de perto mais um entre tantos jogos da tarde de sol do interior.

Naquele gramado, zona rural de São Joaquim da Barra, brancos, pretos e um descendente de índios, apelidado Garrincha, correriam atrás da bola.

A data exata também não me lembro, mas a década de 70 findava, e o legendário craque das pernas tortas enfrentava uma barra pesada, pouco dinheiro, muito bebida, problemas emocionais.

Havia alguns anos ele disputava jogos caça-níqueis como aquele pelo país em um time chamado Milionários (ironia?), junto com outros ex-craques.

As pequenas cidades do interior faziam festa para recebê-los. Garrincha era a principal atração.

Mesmo aos meus olhos de menino, porém, nem tudo era alegria. Fui ao vestiário levado por um tio. O homem de quem tanto falavam os mais velhos me pareceu triste e abatido.

Olhei os pés de Garrincha. Não muito grandes, redondos, inchados. Ele colocava as meias em lento ritual. Notou minha presença e sorriu ternamente.

Muito distante de sua melhor forma, dentro de campo ele se limitou a ser uma caricatura. Parecia não querer esconder da distinta platéia a melancólica condição.

O craque da Copa de 1962 desfilava suas dores em um modesto estádio, arquibancadas de madeira. É claro, ninguém estava ali para ver dribles desconcertantes que fizeram dele a “alegria do povo”.

Com um misto de sadismo, dever e complacência, éramos todos, inclusive eu, testemunhas do crepúsculo trágico de um grande astro, talvez da morte de um jogo que tinha goleiro, dois laterais, dois zagueiros, um volante, dois meias, dois pontas e um centroavante.

Em janeiro de 1983, Garrincha estaria morto, e eu passaria a entender um pouco mais sobre a tragédia humana.

A glória, o fracasso e a eternidade. Tudo ali, naquele momento em que Garrincha colocava calmamente as meias.

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