segunda-feira, 16 de junho de 2008

fechamento

"Somos feitos da matéria dos sonhos;
nossa vida pequenina é cercada pelo sono"
A Tempestade, Ato IV , Cena I



Falta densidade à matéria;
a matéria das palavras, qual é?
Uma pergunta batida;
o pontinho piscando na tela do computador, e o relógio a materializar o tempo e a dar sentido para minha angústia.
A matéria tem que ter profundidade e a densidade das palavras do presidente "que afirmou ontem que nós possivelmente não consigamos terminar a nossa obra em quatro anos".
Eu, agoniado, preocupado com a matéria das palavras e com as palavras da matéria, e o meu coração doído pelas palavras na boca dela, me dizendo que eu nada tinha a temer, exceto as palavras, algo que ela tinha lido num livro do Fonseca, acho;
aí eu, sem coisa melhor pra falar, indagando de que matéria eram os sonhos, outra pergunta batida.
A matéria dos sonhos;
o pontinho piscando na página branca, eu sofrendo e lembrando daquela conversa com o Marçal Aquino, de que ele escreve à mão.
As palavras jorrando da mão do Marçal, que foi jornalista e que começa uma história sem saber como ela vai acabar e que escreve como quem fala com as mãos.
O John Fante que eu li na faculdade e me fez achar que era muito fácil ser escritor porque era só sofrer porque não se conseguia ser escritor e dizer para os leitores como era sofrer porque não se conseguia ser escritor, pronto;
e o cara ainda por cima morava em Los Angeles.
A crítica;
uma resenha sobre arte, quem sabe, em vez de falar do presidente;
"tudo isso serve menos para impregnar o ambiente de realismo e glamour do que para dar materialidade às coisas, evitando a reconstrução fria de época e transformando a película num espaço de convergências sensoriais e poéticas."
As palavras sem densidade na boca do presidente, com seu terno preto e novo;
o relógio a materializar a pressa, o editor a me cobrar a matéria.
Eu;
me deitando no divã e pagando aquela puta grana por tão pouco tempo, com a matéria dos sonhos escorrendo das mãos, de maneira tão rápida "porque Lacan pensou uma outra maneira de repensar a temporalidade inerente ao sujeito".
É, subverteu a cronologia da temporalidade, nada mais lógico.
Os sonhos;
eu sonhando em derrubar o presidente com a matéria dos sonhos para ganhar aquele prêmio que tem nome de posto de gasolina;
"e eu estou aqui, neste dia sonhado por tantas gerações de lutadores que vieram antes de nós, para reafirmar os meus compromissos mais profundos e essenciais, para reiterar a todo cidadão e cidadã do meu país o significado de cada palavra dita na campanha, para imprimir à mudança um caráter de intensidade prática."
O presidente pediu paciência e disse que um filho leva nove meses para nascer;
o editor pediu densidade e me deu dez minutos para terminar a matéria, com contextualização e clareza.
Eu, egoísta, que sonhava derrubar o presidente com a matéria dos sonhos, o presidente que tinha a obrigação de realizar os sonhos de todo mundo deste país.
Os dez minutos passaram rápido, não só porque Lacan havia pensado uma outra maneira de repensar a temporalidade inerente ao sujeito, mas porque eu escrevi bem depressa quando alguém gritou que ia entrar um calhau no lugar da matéria naquele pedaço de papel, que ainda era só um diagrama em uma tela de computador e que ia se materializar em um pedaço de papel.
Meu nome lá;
piscando no computador em cima da matéria que ainda não era papel sobre a densidade das palavras e de todos os meus sonhos.
O nome igual ao do meu pai;
que dia desses apareceu na matéria do meu sonho, assim como ela.
Meu nome lá, para embrulhar peixe no dia seguinte.

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