quinta-feira, 19 de junho de 2008

águas revoltas

_Como se constrói um conto, já que ele é uma forma que pode prescindir dos elementos básicos da narrativa?
_Com palavras. Não se faz uma casa sem tijolos.
_Mas quem desenha a planta? Talvez os sonhos... Eu gostaria de contar outro, posso?
_É claro.
_É um dia de sol em uma praia tropical, dessas bem Brasil mesmo. Tudo é lindo, mas há o risco, o perigo. Ela corre entre as pedras, sabe? Pula de uma até a outra, se escora, está feliz, sem se importar com a força do mar, o mar é indomável.
_Você tem sonhado muito com o mar, não?
_Sim. Então, ela corre, como disse, seguida por um jovem, que não sou eu, logicamente, porque não sou jovem, e tenho medo e fico parado observando de longe. Na verdade, eu meio que sou a consciência do perigo, do risco, entende? Eles não têm a menor a noção do que estão fazendo, do que pode acontecer, e acontece, claro. Súbito, o pé dela escapa. Ela cai em um mar revolto, nervoso mesmo. Imediatamente, eu esqueço o medo e salto para resgatá-la, enquanto o jovem, que não sou eu, ou sou?, fica parado, perdido. Eu mergulho, imploro a ajuda dele, que não faz nada, e eu consigo encontrá-la, lânguida, meio desfalecida, mas feliz. Tomo-a nos braços, alcanço a superfície, e digo para ele, o jovem que não sou eu: “É como se segurasse minha própria vida nos braços”. O que isso quer dizer? Que o mar é o desejo?
_Vamos deixar por aqui hoje. Os sonhos também guardam uma história submersa.

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