quarta-feira, 5 de novembro de 2008

joão e josé

O nome do sujeito era João, isso já tinha ouvido. Forte, alto, branco, de cabelos muito escuros. Estava encostado no mesmo balcão em que eu tomava uma cerveja. Copo cheio de gim nacional, ele conversava com dois caras. Sorriso fixo nos lábios, a dupla tinha uma mistura de medo e respeito pelo grandão.
Outra coisa que eu também sabia: o cara era cana, da Civil. Ninguém é capaz de contar uma história como aquela se não for bandido ou polícia, nem os escritores metidos a besta, nem os repórteres metidos a investigadores. Bandido ele não era. Fora isso, até um otário como eu percebia o volume na cintura do cabra, debaixo da camiseta vermelha, onde estava escrito em amarelo "Recife é sol".
Uma mulher loira, pequena, de pernas grossas, ocupava um banquinho em frente ao lugar onde o João, em pé, gesticulava pra caralho. Não dava pra ver se a dona era mesmo gostosa, só que a bunda dela sobrava em todos os lados do tamborete. Se não fosse, tinha sido um dia.
Eu olhava de vez em quando o grupo, mas ouvia tudo, quietinho, com ar desinteressado. Por isso, descobri que naquela noite ele tinha licença para beber, sem culpas ou desculpas.
_ Hoje a patroa liberou, não é meu amor? Tô com uns problemas sérios, ela sabe, no trampo. Disse que eu não tinha nada pra fazer, só encher a cara, é o que tô fazendo_, berrava o João de meia em meia hora.
Até o gim começar a derrubar o grandão, como se fosse um daqueles pesos-penas que batem, batem, batem, devagar, mas sem parar; quando o adversário vê, ou melhor, não vê, tá na lona.
Nessa altura, os dois caras que só riam e balançavam a cabeça foram substituídos por um outro grandão, que ocupou um banquinho ao lado da mulher. A bunda dele também sobrou dos lados, mas a barriga parecia uma chapa.
Não consegui ouvir o nome do cara, mas, pelo jeito, era amigo do casal. Os dois grandões, primeiro, trocaram sopapos como se fossem beijos. Depois, gargalharam alto e falaram sobre luta vale-tudo na televisão, treinamento de cachorro e jogo de futebol.
A mulher perguntou para o recém-chegado se ele queria beber alguma coisa. Um suco de laranja foi providenciado, no que o João começou a rir e a dar tapas nas costas do amigo.
Foi quando, talvez decepcionado com o que chamou de coisa de mulherzinha, o João me encarou e veio até mim. Do nada, como se nos trombássemos há anos, ele desandou a falar.
Contou, como se fosse novidade, que estava bebendo com a autorização da patroa. Berrou um bom tempo coisas que não me interessavam. O que eu achava legal já tinha ouvido sem ter sido convidado.
Vez ou outra, discretamente, eu olhava a mulher do cara, sem beber álcool, de conversa e risos com o outro grandão. A dona parecia que tinha levado o marido ali para que ele espiasse, ou bebesse, toda sua mágoa. Uma alma caridosa.
O papo dela com o outro, no entanto, estava vários tons abaixo (ou acima) do nível do bar. Mas deu para perceber um negócio sobre um filme, uma exposição de animais domésticos e uma festa no último final de semana.
O João, que estava de costas para os dois, notou que eu os olhava com atenção e virou-se. Puxou o outro para seu lado com uma chave-de-braço, coisa de cana, e nos apresentou:
_ Este aqui é meu irmãozinho, gosto demais dele, já quebramos mais de quatro de uma só vez. Qual é mesmo a sua graça?
_ José, muito prazer, respondi.
O grandão amigo do João apertou minha mão, contou uma piada, mudou de assunto e, quando a gente percebeu, ele estava de novo do lado da mulher. Agora conversavam sobre uma novela da televisão, deu para ouvir.
O cana emendou uma história violenta e foi até o chegado. Começou a abraçá-lo com força. O abraço transformou-se em uma gravata, que virou uma chave-de-braços, que virou um tapa na cara. Coisa de amigo macho.
Aí, foi de uma hora para outra. O tira sacou a 45 e deu três tiros à queima roupa no tal grandão que era como um irmão para ele. No chão, esticado, o morto parecia ainda maior. Ocupou todo o espaço entre o balcão e a porta do bar. O sangue que escorreu contornou o mapa do Estado de São Paulo que as lajotas pretas desenhavam na calçada branca.
Depois, o João pegou um celular e chamou os canas amigos dele. Ficou sentado no banquinho, com cara de choro, típica dos bêbados, consolado pela mulher. Na certa, ia alegar crime passional, legítima defesa, defesa da honra, essas porras todas.
Terminei a cerveja e fui embora antes que os tiras chegassem. Eu sempre soube que brincadeira de mão acaba em merda.

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