segunda-feira, 17 de março de 2008

purificções/desterro 1



é bem verdade que não demorou para eu trocar o pôster de miss august pelo de miss november na porta do guarda-roupa, mas também só até a traidora da patti mcguire se casar com o jimmy connors, o que me obrigou a torcer pelo bjorn borg em todos os circuitos do tênis mundial, o que acabou sendo bom porque ice borg venceu cinco vezes consecutivas o torneio de wimbledon. confesso que uma ponta de culpa, uma velha e companheira culpa, registre-se, me invadiu por ter sido tão volúvel, afinal, como eu acabara de descobrir, dorothy sempre estivera viva enquanto eu trocava seu retrato pelo da patti. mas como eu ia saber? well, eu não estava entendendo nada, de forma que, como se lesse meus pensamentos, cindy, ou melhor, dorothy, me revelou sua história:
_Quando Paul Snider me ligou no dia 14 de agosto de 1980 implorando aquele último encontro eu sabia que ele estava descontrolado, à beira da loucura, capaz dos gestos mais terríveis. É incrível como os homens são fracos e desequilibrados quando se trata de uma separação. Rodei Los Angeles e as agências de talento em busca de uma mulher parecida comigo. Não foi difícil encontrar, sou um tipo muito comum na América, prova disso é que poucos anos depois foram rodados dois filmes sobre a tragédia e não faltaram candidatas ao papel principal. Paguei à moça um dinheiro que ela nunca iria ganhar fazendo pontas em filmes de quinta e a mandei na frente, para testar a reação dele. Fiquei do lado de fora da casa, apreensiva. Quando percebi que o maluco surtou, entrei rapidamente, eu ainda tinha as chaves. Mas era tarde, ele havia estuprado a pobrezinha e atirado em seu rosto, que estava desfigurado. Assim que me viu, meu ex-marido rastejou implorando perdão. Calcei luvas e peguei a espingarda. Ele chorava como um cachorinho, bêbado e indefeso. Coloquei a arma nas mãos do infeliz e puxei o gatilho sem dó, de um jeito que parecesse que ele havia se matado. Por sorte, todos acreditam nisso até hoje. Fui embora com meu crime e com os documentos da falsa Dorothy, já que estava cansada de Hollywood, do Hugh Hefner e do Peter Bogdanovich, o cineasta por quem eu abandonara Snider. Desde então, tenho zanzado pelo mundo sem sossego a bordo dos modernos e confortáveis aviões da United.



a exemplo dele, o primo do ahmed marcara o encontro em um ponto turístico, de modo que foi fácil reconhecê-lo no meio dos coroas de barbas e cabelos brancos do sloppy joe´s, todos participantes do encontro anual de sósias de ernest hemingway. abdul mal apertou minha mão e já foi logo pegando o embrulho, checou o conteúdo rapidamente _ ao que parece, um livro com instruções e orações _ e caiu fora, não sem antes me dar um beijo no rosto, o que levou muitos dos hemingways a pensarem que fossemos gays em key west, igual ao cara da imigração em miami. eu tentei perguntar sobre zuska, sobre a promessa de que eu a encontraria quando concluísse a missão, mas ele não me deu a mínima.
enquanto isso, os hemingways ocupavam todas mesas em intermináveis embates de braço-de-ferro. tive a certeza de que o velho também havia sido um tipo muito comum na américa e fiquei imaginando como seria mais divertida uma disputa de imitadoras de dorothys strattens em concursos de camisetas molhadas. até a mariel hemingway, neta do escritor, poderia participar, afinal ela ganhara o papel da verdadeira loura canadense no filme do bob fosse, o “star 80”, sobre a morte da playmate, quero dizer, sobre a suposta morte, que eu assisti no cine plaza e chorei para caramba.

(trechos do conto "Desterro", escrito em 2005 e ainda inédito)

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