quinta-feira, 15 de maio de 2008

losing game


No avião rumo à Las Vegas, ela lê Theckov;
mulher, na casa dos 30, vai ao cassino, perde tudo no jogo, encontra o amor da sua vida e se mata ao chegar ao hotel, anota na moleskine.

Pede um uísque à comissária, mas descobre que a companhia não serve bebidas alcoólicas no café-da-manhã, além do mais, os procedimentos de pouso vão começar em breve;
sou um adesivo descolado, tento me agarrar a algo novo, mas sei que meu viço ficou para sempre no corpo anterior, escreve.

Meia loira platinada irrompe pelo teto solar de uma limusine, o vento deforma seus peitos siliconados que estão à mostra;
mulher, na casa dos 30, vai ao cassino, ganha no jogo, enche a cara de champanhe, faz um strip-tease sobre rodas, transa com um caubói texano e manda o amor de sua vida à merda.

Circula pelo cassino sem coragem de apostar, prefere estacionar no bar, onde finalmente toma um uísque, sob o olhar vigilante do italiano da mesa ao lado;
mulher, 30 e poucos vai a Las Vegas, perde no jogo, encontra o amor da sua vida e vive feliz para sempre cuidando de nove crianças em Nápoles.

De manhã, o homem pede que ela lhe sirva nua o café e fala:
_Tem uma adaptação italiana, dos anos 80, uma série da RAI, da obra do Pirandello, aquela famosa do falecido Mattia Pascal, em que o personagem, na pele do Mastroiani, vai para Mônaco e ganha tudo no jogo, sempre escoltado por uma mulher maravilhosa, interpretada pela Caroline Berg. Bom, ele fica jogando, ganhando e tentando levar ela para a cama, é claro, mas ela resiste, até um belo dia em que diz: “se eu for, você perderá sua sorte”. Ele replica: “Então, eu pago”. No outro dia, após o café-da-manhã, ela está indo embora, e ele se lembra: “Ei, espere, eu tenho de te pagar”, ao que ela responde: “Ah, pois não, é claro”. Então, ele dá um níquel para ela, que ri e comenta: “É impossível enganar a fortuna, eu vim por amor”.

O italiano explica que a Caroline Berg serve o café nua para o Mastroiani e que há muito tempo tinha vontade de imitar aquela cena;
ela veste um roupão e pega US$ 100,00 na carteira dele;
sua nudez é mais bela do que a da atriz, escreve ele na nota.

No interfone, ela manda o serviço de quarto buscar o café intocado e trazer mais champanhe;
mulher, 30 e poucos, aposta US$ 100 na roleta, fica milionária e se muda para as Bahamas.

Triste como jamais esteve e, curiosamente, feliz por isso, ela vai até o business center;
as palavras já não chegam, não posso mais sobreviver de frases-esparadrapos nem de plots fracassados, nada aplaca minha dor, escreve ela em um e-mail que nunca seria enviado.

O maior de todos os cassinos se agita, e a moça, trôpega e sem coragem de apostar, adentra um chafariz, onde dança até ser detida pelos seguranças.
_Nas mesas de cartas, os Mastroianis cafajestes de todo o mundo estão ganhando milhões_, grita ela, antes de ser levada.

Mulher, idade indefinida, vai a Las Vegas, tem muito azar no jogo, volta para casa e encontra o amor da sua vida ajoelhado na porta, arrependido, pedindo a reconciliação, escreve ela, mas depois rabisca o papel com tanta força que chega a rasgá-lo;
com a mistura de lágrimas e tinta, a moça grafa loser nas costas da mão direita;
com a mistura de lágrimas e tinta, a moça grafa fuck nas costas da mão esquerda.

Assim que termina de arrumar as malas e de acertar o despertador do hotel, ela vai até o cassino e aposta US$ 100,00 na roleta, preto, 20;
a perda instantânea é mais acachapante do que uma repentina recusa amorosa, anota.

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