segunda-feira, 12 de maio de 2008

memórias sentimentais/cine clube



Eu cursava o primeiro ano do colegial, sofria com as espinhas e usava calças e camisetas OP. Gostava de rock nacional e de ir ao cinema. Não tive dúvidas quando o Mair falou:
_Vai reprisar o “Blade Runner” (que ainda não tínhamos assistido)!
Então, lá pelas 19h30, nós saímos pela rua Lafayette e caminhamos dois quarteirões até o cine clube _não me lembro o nome e acho que ele não existe mais. O filme passara pela cidade havia uns dois anos, no circuitão, mas a minha turma ainda era muito nova quando isso aconteceu. É incrível como em uma determinada fase da vida curtos espaços de tempo fazem uma enorme diferença. Tipo, uma coisa era assistir aos 14, outra aos 16, entende?
É claro que os mais curiosos, como eu, já tinham lido um monte sobre a fita nos jornais ou na “Set”, a revista que eu comprava junto com a “Bizz”. Portanto, sabíamos que o filme era bom e se tornava um cult com o passar dos anos, tanto que estava reestreando em um cine clube. Era imprescindível ver.
Bom, no cinema, não tinha muita gente na platéia não. O grosso era o pessoal de cursinho e terceirão, o que me deixava muito feliz de estar ali, compartilhando com eles o mesmo interesse, o mesmo espaço, coisa que geralmente só acontecia nos mesões da pensão onde almoçávamos arroz, feijão, verdura, salada, bife e batata frita todos os dias, antes de tirar um cochilo, estudar e ir jogar bola na quadra do Marista.
Nas fileiras as meninas se dividiam em dois grupos: as que usavam umas roupas indianas, uns cabelões; outras de jeans de cavalo alto da Fiorucii, moleton da Disney e tênis adidas modelo Roma. Os caras idem nesses dois paradigmas, e me olhavam esquisito por causa das minhas roupas de surfista, mesmo estando a quase 400 km do mar.
Um pouquinho antes da luz se apagar, chegou o pessoal da Medicina, e tinha um deles que me chamava de 68:
_Porra moleque, quando você nasceu os Beatles lançaram um puta disco!_, repetia ele sempre que me encontrava, com cara de chapado.
Aí rodou o filme _que todo mundo conhece. Eu prestava uma atenção devotada, tentava me lembrar das críticas da revista, olhava todos os detalhes e... não conseguia entender a história... quando começou a fazer algum sentido... puf!!! A luz se acendeu abruptamente.
Fomos deixando a sala devagar, em silêncio, meio sem acreditar que tinha acabado, só o Mair teve coragem de comentar:
_Muito bom...
Ele era mais velho e sabia um monte de coisas sobre cinema, música e tal. Então, eu concordei:
_Muito bom...
No saguão do cinema, as rodinhas foram se formando, e a galera iniciou um pequeno debate sobre o filme, um cara chapado chegou a comentar:
_Da primeira vez que eu vi, há dois anos, não tinha sacado que esse filme era tão louco.
Alguém arriscou:
_Narrativa fragmentada.
Acho que era o que me chamava de 68, e eu, logicamente, concordei:
_Fragmentada...
O estranho é que a porta do cinema permaneceu fechada, até o professor de literatura que coordenava o cine clube avisar:
_Pessoal, todos que vieram hoje podem assistir ao filme sem pagar nada amanhã porque o projetista errou a ordem dos rolos! Começou pelo primeiro, pulou para o terceiro...
E assim, junto com Deckard, Roy Batty e Rachael, eu descobri que, por mais que a gente tente entender qual o sentido da aventura, sempre estará refém do projetista.

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