sexta-feira, 2 de maio de 2008

anatomia comparada

1- Aida está no carro, um modelo esportivo de dois lugares, com Marchiorri. Ele dirige em alta velocidade, e ela sonha com o futuro de glórias que o homem lhe prometera.
Súbito, o motorista adentra uma mecânica e pede, a buzinadas, que verifiquem um certo barulho estranho no motor da máquina. Irritado, Marchiorri sugere a sua acompanhante:
_Você não queria tomar uma bebida? Há um bar aqui ao lado.
_Isso, vamos!_, responde ela.
Mas o rapaz diz que prefere acompanhar de perto o trabalho do mecânico, e a moça, num misto de desolação e expectativa, sai em busca da bebida.
Rapidamente, Marchiorri cancela o serviço alegando um compromisso inesperado. Corre até o porta-malas e retira uma da valises, a mais simples, já um tanto desgastada e maltratada pelas idas e vindas da vida. Em seguida, arranca com a potente máquina.
A valise repousa solitária no chão frio e escuro da oficina.


2-Esse é o início de "A Moça com a Valise" (1961), de Valério Zurlini. O italiano era bom cineasta e foca a câmera no abandono da valise, justamente quando aparecem os créditos iniciais da obra. Se fosse um conto, o filme poderia terminar ali, praticamente sem ter começado. A cena é forte o suficiente para condensar o abandono da moça, a sordidez de Marchiorri, a solidão inerente à condição humana, as injustiças do mundo e as trapaças do amor (tanto que foi parar no título). Enfim, condensa a história secreta que não precisa ser narrada para que se revele ao leitor/expectador.

3-Como se trata de um longa metragem, é claro que as desventuras de Aida irão se estender por mais 90 minutos, com a mesma maestria do início, e a presença de um novo personagem, Lorenzo Fainardi (Jacques Perrin), um adolescente que irá descobrir com a moça o amor (quem não se apaixonaria por Cardinale?), a solidão, as injustiças do mundo, as trapaças da sorte etc...

4-Serve como aula, duas obras em uma que talvez ajudem a explicar a diferença entre conto e romance.

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