quarta-feira, 30 de abril de 2008

autumn rhythm (number 2)


Um homem coberto de páginas, papéis colados sobre ele de modo que o corpo magro fique completamente forrado por dezenas, centenas, milhares de palavras. Na cabeça, uma máscara carnavalesca de um famoso jogador de futebol (ou de um político?).
Esse homem-livro adentra a galeria e rapidamente rouba uma taça de espumante do homem-bandeja, gesto que irá se repetir muitas vezes naquela noite, já que não havia dry martini na local. Sua presença na vernissage causa certo frisson, mas, como escreverá o crítico do jornal, traduz perfeitamente a proposta do trabalho apresentado pela artista, a dessacralização do verbal no mundo contemporâneo devassado pela velocidade do signo áudiovisual e pela fulgacidade com que se constróem, se corrompem e se destróem celebridades.
Nosso herói passeia por entre obras, troca impressões com os meros mortais, diz que não agüenta mais viver oprimido em um mundo tomado pela dessacralização do verbal. De repente, efeito da super pílula azul que ele tomara havia minutos, os convidados observam surgir, em meio às palavras da saia que cobre sua púbis, um signo icônico, ou, melhor dizendo, um caralho bem duro. Nele, está escrito com canetinha hidrocor vermelha: buceta. Muitos se aproximam para ler. Alguns até aplaudem. “Fantástico”, sentenciará a crítica sobre a perda de referentes na era da propaganda.
Ao passar pela mulher-artista, o homem-livro-do-caralho-duro fala:
_Jackson Pollock no ventilador.
_Que bom, querido, você seguiu o meu conselho. As artes plásticas são a tua cara. Além do mais, você nunca conseguirá escrever nada que preste mesmo_, ela responde.

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