terça-feira, 22 de abril de 2008

Brasileiros

Entrevistador – Como você definiria sua atividade?
Entrevistada – Eu sou uma sound space designer, uma decoradora musical, decoro espaços sonoros.

Entrevistador – Onde surgiu essa idéia?
Entrevistada – Pronta e acabada, foi em Nova York, na minha lua-de-mel. Quando terminei a arquitetura na FAAP, passei uma temporada na Europa, especialmente em Londres e Madrid. Lá, colecionei sons e imagens, começava a se formar o conceito. Mas hoje percebo que a inspiração mesmo, a concepção final, é Brasil total.

Entrevistador – Como se desenvolve esse trabalho?
Entrevistada – Eu tenho uma reunião com o proprietário do local, ele me chama e pergunta que tipo de música deveria tocar no seu espaço. Nas lojas da Viva o Dia a coleção era de uma tendência oriental, indiana, então fiquei na fábrica um período fazendo pesquisa de tecidos, tudo para me inspirar e criar um som que fosse a cara musical do produto.

Entrevistador – E que tipo de música você usa?
Entrevistada – Depende do lugar, do produto que ele vende, se é uma loja, um restaurante, um hotel. Tudo vai influenciar para que eu crie um estilo musical para esse espaço, entende?

Entrevistador – Quais são seus selos e artistas preferidos?
Entrevistada – Eu não me prendo a selos, nem a artistas e a nomes de músicas. Não sei o nome da maioria das coisas que eu toco, simplesmente escuto e gosto, pronto. Toco remix de coisas nossas, de Tom Jobim, por exemplo, mas sempre cantado em inglês ou francês. Procuro o que tem de mais elegante nos brasileiros pra tocar. Por exemplo, Caetano cantando Cole Porter, é o máximo.

Entrevistador – Uma pergunta chata, indiscreta. Você ganha bem?
Entrevistada – Olha, faço isso mais por prazer e por acreditar que é possível melhorar a vida das pessoas, o mundo, dar mais alegria e estilo aos ambientes. Mas eu diria que em termos de grana dá para manter um padrão de vida razoável. Ir à Europa uma vez por ano, passar um final de semana em Nova York. Essas coisas sem importância. Eu amo a vida.

***


Passava das 5h quando o telefone celular tocou, e o bebê imediatamente começou ao chorar ao lado da cama. A mulher esticou o braço e conseguiu acionar o interruptor.
_ Alô_, balbuciou José Alfredo.
_ E aí truta? Tava dormindo?
_ Dá um tempo, fala logo.
_ Tem uma encomenda para buscar no aeroporto, em Cumbica, coisa que tá chegando dos gringos. Como você mora aí em Guarulhos e tá quase na hora de pegar no trampo, o gerente quer saber se tu topa encarar essa e sair mais cedo à tarde. Pode ser?
_ Pode, já tô acordado mesmo.
_ Fica frio aí que eu vou passar os dados.
A mulher, com o bebê no colo, se chacoalhava no meio do quarto enquanto Zé Alfredo improvisava um criado-mudo no caixote para rabiscar o papel.
Menos de meia hora depois, o motoboy já estava na Ayrton Senna, todo plastificado para escapar do frio. “Caralho”, pensou, quando o Audi A3 passou zunindo. “Com essa neblina toda, era capaz desse filho-da-puta ter me pegado”. Foi o último pensamento antes de sentir a pancada bem no meio do peito.
A perícia demorou para entender o que havia acontecido. Só quando um policial chegou com a garrafa de champanhe na mão é que alguém pôde encerrar o relatório. O corpo nem estava no local, já tinha sido despachado para o IML.

***

Carolina Peixoto de Macedo viajou a Europa inteira com uma mochila nas costas. Exigência dela. O pai queria mesmo era roteiro fechado e bem definido, com reserva em hotel, guias e telefone celular.
_Mas o presente é Carol quem escolhe_, argumentava ele.
No Velho Mundo, Carol pernoitou em albergues, namorou um negro camaronês, tomou vários porres, um deles de grapa em frente à Fontana di Trevi, ficou muito louca com o haxixe de um turco, passou alguns dias sem tomar banho e descobriu o lado selvagem da vida, como gostava de dizer.
_ Mas não joguei um papelzinho de bala sequer fora do lixo _, fazia questão de ressaltar a moça às amigas na volta ao Brasil.
Dias antes da viagem, o curso de arquitetura na FAAP fora concluído. O estágio na loja e o namoro com Marcelo Alvarenga de Mendonça ajudaram a menina a virar mulher, ela frisava. Era casamento, na certa. Doutor Macedo, dessa vez, a presenteou com um carro novo, modelo popular, claro, Carol novamente fazia questão por conta do consumo de combustível que detona o planeta. A data agitou as colunas.
_ Algumas tradições e celebrações não podem ser quebradas_, justificava ela sobre a festa nas colunas dos jornais.
Terminada a comemoração, os noivos rumaram direto para o Aeroporto de Guarulhos. A lua-de-mel seria nos Estados Unidos, em Nova York.
_ Por enquanto, quero guardar outras lembranças da Europa _, explicou ela às amigas, que não entediam o motivo de a França ter sido descartada.
Embriagada de tanta alegria, Carol pediu ao motorista para acelerar na rodovia Ayrton Senna, queria sentir o vento em seu rosto.
_Eu amo a vida!_gritava.
Deu risada ao recordar o “acelera Ayrton” da Fórmula 1, a quase 200 km/h, meio corpo para fora da janela do Audi. Justamente quando a garrafa de Velvè Cliquot escapou de sua mão.

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